Tradução: início Manhã de sábado, em Roma.
[ Por João Miguel ]
Dei mais uma volta ao quarteirão na esperança de fazer mais tempo antes de regressar ao meu inferno pessoal, sentia o meu corpo gelado e já tinha deixado de sentir a ponta dos dedos, olhei para o céu que estava pintado de vários tons cinza, estava revestido de nuvens bem escuras que pareciam que iam desabar num forte choro em qualquer instante, enquanto caminhava pela rua, esfregava com força as mãos uma contra a outra na tentativa de as aquecer, nem que fosse um pouco.
Tinha-me conseguido esquivar da festa de sexta-feira à noite, ao dormir num banco de jardim, mas se ficasse mais tempo na rua, ia congelar. Já não conseguia aguentar o frio daquele rigoroso inverno. A minha fina camisa e as minhas velhas calças de ganga nada podiam contra a forte geada noturna. Mas assim que eu entrasse naquela maldita casa, já não tinha como sair dela e não teria como fugir de hoje à noite. Eu não tenho grandes opções, ou morro congelado, ou volto para lá.
Vivo num completo inferno com os meus pais, pais ? Às vezes penso ser o termo mais adequado para me referi-los . Nos meus 17 anos de vida, não tive uma única noite de paz nas mãos da minha mãe, não passo de um saco de pancada , mas o pior são as festas de sexta e sábado ao cair da noite, eles vêm, pagam e vão, mas eu de mim depois só restam cinzas.
Entrei em casa de fininho para esgueirar-me para o meu "quarto" . Queria passar sem ser desprevenido por eles. Ao passar pelo corredor, ouvi um estrondo que vinha da sala, não contive a minha curiosidade e voltei para trás. Como a porta estava um pouco aberta, espreitei pela fresta.
A sala estava cheia de homens que mais pareciam armários com músculo, vestidos da cabeça aos pés de preto e armados . No velho e gasto sofá estavam os dois demônios com uma arma apontada à cabeça.
No que aqueles dois tinham se metido ? Parecia ser bem grave .
- Eu vou perguntar de novo onde. E espero uma resposta concreta. Onde ele está?
A voz era feminina, mas era bem autoritária, mas ao mesmo tempo afinada, era bem uma voz bonita. Consegui ver a dona da voz quando caminhou até o meio da sala, vestia uma gabardine preta até aos joelhos e estava calçada com uns stilettos vermelhos, mas da forma em que estava posicionada não consegui ver o seu rosto.
- Já disse que ele saiu ontem para a escola e ainda não voltou! - Respondeu o meu pai.
- Esperam mesmo que eu acredite, não sabem onde está o vosso filho, está?!
- Eu espero que esteja morto em alguma vala por aí. - Adoro o amor que a "mãe" tem por mim.
- Nós tínhamos um acordo, senhorita Clark. - A mulher da gabardine falou enquanto ironizava a palavra senhorita. - Mas sem a moeda de troca, creio que não há acordo.
Merda... Eu sou a moeda de troca, não ia ficar ali nem mais um segundo. Eles criaram o problema, eles que o resolvam sozinhos.
Quando dei alguns passos para trás sem me dar conta, bati numa floreira que estava no corredor com um vaso em cima, o vaso caiu fazendo um grande estrondo, eu arregalei os olhos e corri sem pensar duas vezes em direção à casa de banho, tranquei a porta, olhei para as minhas mãos que não paravam de suar. A minha única saída agora era a velha janela empena , ia custar a abrir... Enquanto tentava a todo o custo abrir a janela, alguém bateu na porta. Eu não respondi.
- Sei que estás aí! Nós podemos fazer isto da forma fácil ou difícil, garoto, mas essa porta vai ser aberta. Como vai ser? - Era a voz da mulher que estava na sala, continuei calado.
- Quer que eu arrombe a porta, senhora Bertolini? - Agora era a voz de um homem a falar.
- Calma, acho que não vai ter necessidade disso. — Ouvi ela falar. - Não é garoto? Vais abrir a porta e ninguém se magoa. — Eu precisava de mais tempo para abrir o raio da janela.
- Por que eu iria abrir a porta? - Gritei enquanto empurrava o postigo.
-Porque se não abrires, eu mesma vou abrir, e se for eu a abrir, podes ter a certeza de que as coisas vão ficar feias para o teu lado.
- Elas não estão já? Se não reparou, tenho uma mulher armada atrás de mim.
- Eu não te vou fazer mal. - Revirei os olhos. Claro que não só vai me dar um tiro no meio da testa. Eu fiz mais um pouco de força e a janela começou a abrir.
- Abre a porta, a minha paciência não é infinita, garoto! Vou contar até 3 para abrires, se não abrires, vou entrar.
- 1 ... - Merda, merda!!
- 2 ... e 3.
Assim que ela disse o três, a janela abriu e, sem pensar muito, saltei, ouvi um estrondo, mas não olhei para trás, só comecei a correr.
Na minha ânsia de fugir, não consegui parar a tempo antes de chocar contra um homem que apareceu no meu caminho, caí com tudo no chão, a pancada na que dei com cabeça foi tão forte que fiquei meio tonto e não me consegui levantar.
Abri os olhos e olhei para o lado e a última coisa que vi foram os stilettos vermelhos.
(...)
Sentia o meu corpo um pouco dolorido.
Abri os meus olhos e dei conta que estava deitado numa enorme e confortável cama que era bem diferente do meu velho e pequeno colchão que ficava no chão do meu minúsculo quarto.
Olhei ao meu redor e fiquei maravilhado com o luxuoso quarto à minha frente. Onde raio é que eu estou? As lembranças começaram a voltar, "stilettos vermelhos". Oh merda, eu tenho que sair daqui. O quarto tinha umas janelas enormes, fui na direção delas e olhei para baixo.
- Merda, muito alto para saltar... Como é que eu vou sair daqui? - Pensei alto.
- Primeiro... — Dei um pulo quando ouvi a voz dela novamente, engoli seco e virei o meu corpo na sua direção, estava sentada numa poltrona num canto do quarto. - Eu não gosto de garotos malcriados na minha casa, a próxima vez que sair um palavrão dessa boca eu lavo-a com sabão. — Senti o meu lábio tremer, queria lhe responder, mas quando olhei para os olhos azuis metálicos dela não consegui produzir som algum, algo nela gritava perigo.
- Segundo... - levantou-se, foi até a porta e abriu-a.
- Se querias sair, era só abrir a porta.
Senti as minhas bochechas queimarem de vergonha. Ficou um silêncio até que ela voltou a fechar a porta.
- Bom, depois desta patética cena, vamos a um assunto mais interessante. O quarto agrada-te?
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O perigo do teu toque
Roman d'amourHelena, uma mulher enigmática e ameaçadora , surge misteriosamente na vida de João Miguel, obrigando-o a ir morar com ela e a seguir suas ordens. Essa narrativa é repleta de assassinatos, violência e suspense. Este texto ficcional aborda uma narr...