•Alemães na França•

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A escuridão já tomava conta de toda a cidade de Paris, o toque de recolher já havia tocado à duas horas atrás, e todos, com exceção dos soldados, autoridades e pessoas da raça "superior" deveriam obedecer ao toque de recolher.

Eu era um simples homem de origem francesa, nasci na capital, no ano de 1918, morei com meus pais até os 19 anos, quando decidi arrumar um emprego servindo de garçom em um restaurante chique da cidade, e consegui sair de casa.

No começo foi difícil me adaptar à vida sem eles, não havia mais a quem pedir ajuda quando acontecia algo, não havia mais o colo acolhedor da minha mãe, o meu refúgio de todo o caos que estava ocorrendo no mundo, não havia mais as histórias do meu pai, que ele sempre contava antes de me colocar para dormir, e não havia mais as brigas entre eu e meu irmão mais novo, que no começo eu achei um ótimo, mas depois comecei a sentir falta.

Agora eu estava sozinho, vivendo em uma casa na cidade de Paris, minha rotina era normal, como a de qualquer outro cidadão pariense, eu saia de manhã cedo para trabalhar no restaurante e voltava apenas ás oito da noite, chegava na minha residência, tomava um banho, e ia ler um livro ou, como era de costume, ouvia uma música em minha vitrola.

Todas as noites, eu colocava a vitrola em um balcão próximo a janela do quarto, e colocava uma música clássica para tocar. Era meu estilo musical favorito, me acalmava e me fazia esquecer da situação que o mundo se encontrava naquele momento.

Por que próximo a janela? Bom, eu gostava de admirar as casas iluminadas, e também gostava de admirar as estrelas, então eu ouvia uma bela melodia enquanto olhava a paisagem, era um dos meus hobbies prediletos.

Após um banho, saio do banheiro e me dirijo até meus aposentos para pôr uma roupa, me visto com uma vestimenta simples mas confortável, desço para a cozinha e fui procurar algo para saciar minha fome, até que ouço duas batidas na porta e fui atender a mesma.

-Sr. May?- dois oficiais do exército alemão estavam parados em frente a minha porta.

-a que devo a vossa visita senhores?- fiz a saudação e dei espaço para eles entrarem.

-viemos verificar se não está escondendo nenhum judeu em sua residência- os soldados entram, e o oficial ao lado me encara, claramente desconfiado.

-podem fazer a inspeção, não estou escondendo ninguém- mantenho meu tom de voz firme, e os dois começam a caminhar pela casa, a procura de algum compartimento secreto ou algo que poderia servir para esconder judeus.

Acompanho-os enquanto eles caminhavam pelos cômodos, não era uma simples inspeção, minha residência já fora inspecionada por oficiais antes, e mesma era bem intensa, os oficiais não deixavam nem um centímetro da casa escapar, eles olhavam por todo o canto.

Um oficial pega um de seus instrumentos na maleta que o mesmo carregava, coloca-o nos ouvidos e um pedaço de metal vai na parede, onde o mesmo batia com um martelo pequeno, ele estava procurando falhas na parede, que na maioria das vezes, indicava um fundo falso.

Já o outro oficial, sobe para o andar de cima.
Consigo ouvir os passos do mesmo caminhando pelo corredor, e indo até meu quarto, mas não ouço ele revirar por tudo, suponho que ele estivesse sendo mais cauteloso em relação a inspecionar os quartos, o banheiro e os cômodos de cima.

Até que depois de aproximadamente meia hora de inspeção, eles finalizam a mesma.

-tudo limpo aqui- o oficial guarda seus instrumentos na maleta.

-aqui também senhor- o segundo oficial desce, e os dois se dirigiram até mim.

-fico agradecido com a vossa visita senhores- vou até a porta da frente e abro a mesma para os dois irem.

-nós que agradecemos- eles fazem a saudação nazista para mim, e logo em seguida vão embora.

Fecho a porta atrás deles, tranco a mesma e suspiro aliviado.
Subo para o andar de cima correndo, tropeçando várias vezes ao subir a escada, abro a porta do meu quarto e me agacho no chão.
Tiro o enorme tapete coloração vermelho vinho que cobria metade do chão, e começo a bater nas tábuas até que sinto uma oca, tiro a mesma, sorri ao ver que não haviam descoberto.

Todos os cidadãos tinham uma quantia de dinheiro fixo para se ter em casa, tanto judeus quanto franceses, o restante do dinheiro deveria ser depositado em um banco alemão.
Eu não era idiota de depositar o pouco que recebia do meu salário em um banco dos soldados, então eu escondia o dinheiro em minha casa. Mas sempre tinha medo que os oficiais durante uma dessas inspeções, descobrissem o esconderijo, por essa razão já havia mudado de esconderijo várias vezes, mas já estava começando a ficar sem opções.

Encaixo a tábua de madeira no seu lugar, e cubro-a com o tapete novamente.

Já estava escuro, o céu estava iluminado por estrelas, era uma das minhas visões favoritas do céu, e era o momento certo para relaxar e esquecer um pouco do caos.

Vou até o roupeiro e tiro de dentro dele a minha vitrola, com um pano velho, limpo o pó da mesma, e vou até a estante de discos, procuro a música "IV. Rondo: Allegro" de Mozart, assopro o disco, retirando o pó do mesmo, me fazendo ter um ataque de espirros.

Por consequência das bombas que os soldados largavam pelas redondezas, minha casa vivia cheia de poeira, eu a limpava, mas era inútil, na semana seguinte a casa já estava toda empoeirada novamente. Gostaria de saber de onde eles tiram tanto dinheiro para a fabricação dessas bombas, bom, era o governo eles tinham dinheiro de sobra enquanto a população mais pobre passa fome, o que eu não acho uma coisa justa.

Posiciono a vitrola próxima á janela, encaixo o vinil na mesma e pouso a planilha sobre o disco, fazendo a música começar a sair pelo aparelho.

Era uma música calma e relaxante, fico olhando através da pequena janela do quarto, nenhum carro mais passava por ali aquelas horas da noite, a não ser os veículos dos oficiais.

As vezes, durante esses momentos de relaxamento, eu me perguntava se alguém lá fora na escuridão, poderia ouvir a minha música tocar.

Classic • MaylorOnde histórias criam vida. Descubra agora