Capítulo-5

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Alguns dias depois estou numa deli no East Village, almoçando com Preguiça e Gula, para comparar relatórios de atividades. Gula acaba de voltar de uma competição de frituras, em Memphis, enquanto Preguiça passou o fim de semana com um grupo de estudantes do Instituto de Tecnologia de Massachusetts; eles tinham acabado de comprar uma nova versão do videogame Xbox.

— Cara, eles não abriram um livro —, diz Preguiça, largado na cadeira com os pés sobre a mesa. — Apenas pediram pizza, beberam cerveja e jogaram videogames, durante umas trinta e seis horas seguidas. A única vez em que eles saíram do quarto foi para dar uma mijadinha. Foi lindo, cara.

O problema de Preguiça é que ele é narcoléptico. E ainda assiste televisão demais, nunca faz exercícios, não lava o cabelo desde Woodstock c está sempre usando a mesma camiseta com estampa dos Sex Pistols.

— Que tipo de pizza? —, pergunta Gula, se afundando num sanduíche de pastrami.

— Sei lá —, responde Preguiça. — Pimentão com linguiça. Bacon cana- dense. O que importa isso?

— Pizza importa, cara —, diz Gula. — Pizza sempre importa.

O problema de Gula é que ele tem intolerância à lactose. Com um metro e oitenta de altura e pesando mais de duzentos quilos, Gula nunca fica mais de quinze minutos sem se alimentar. Sua roupa predileta é uma camisa havaiana e calças bem largas. Sua comida favorita é tudo.

— E como é que andam as coisas com você, Fábio? —, pergunta Preguiça, curvando-se ainda mais, em sua cadeira.

— O de sempre, o de sempre —, eu digo. — Apenas observando os seres humanos fazerem escolhas ruins, baseados no que vocês, caras, lançam para eles e readaptando-os ás suas sinas abaixo do que seria o ideal.

A mulher na mesa ao lado me olha com ar de suspeita, como se achasse que eu talvez não seja lá muito bom da cabeça. Como se ela pudesse falar alguma coisa... Daqui a nove anos, ela vai fazer picadinho de seu ex-marido e transformá-lo em alimento para seus três gatos.

— Eu não iria querer seu emprego, cara —, diz Preguiça.— Muito trabalho.

Gula dá risada, pulverizando a gente com restos do sanduíche que está terminando de comer.

— Olha só. Você não quer trabalhar. — Nem você, gordão.

— Pelo menos eu não sou preguiçoso. — Vai comer caqui.

— Não me tente —, diz Gula. — Ainda estou com fome.

Duas moças esbeltas, usando agasalhos com o logotipo da Universidade de Nova York, entram na deli e dão uma olhada para onde estamos. A loira de longas pernas sussurra no ouvido da raiva peituda e elas caem na risada.

A loira vai posar para a revista Playboy e passará a maior parte dos próximos dez anos tentando uma carreira de modelo e atriz, passeando na praia no pôr do sol e sendo ignorada por gente malvada. A de cabelos vermelhos acabará casada com três filhos e desejando ter matado sua colega de quarto quando teve a chance.

— Caras, vocês nunca desejaram fazer algo diferente? —, pergunto. — Como o quê? —, pergunta Preguiça.

— Sei lá —, respondo. — Como Orgulho, ou Justiça, ou Honestidade...

— De jeito maneira —, diz Preguiça. — Esses empregos são tipo, entediantes, sério. Embora Orgulho seja um tesãozinho. — Orgulho é homem, cara —, diz Gula. — Não viaja —, comenta Preguiça. Gula chupa o resto de sua cerveja sem álcool e arrota. — E é gay.

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