Capítulo-43

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- Onde você esteve? -, pergunta Sara. -E por que está usando pijama de seda negra?
Não sei qual das perguntas é mais difícil de responder, mas desde que já abri minha identidade e a existência de Jerry, acho que devo ser claro. Como Honestidade sempre diz, ela é a melhor política. - Fui ver o Jerry -, conto. - Sério? E como ele estava? - Bem puto.
- Nossa. Puto como? Então conto a ela. Sobre meus humanos mortos. E minha suspensão. E minha perda de poderes. E a vez em que eu vi Charles Darwin nu. Seleção natural o cacete.
- Então, nada mais de teletransporte? -, ela pergunta. Balanço minha cabeça.
- Nada mais de sumiço num piscar de olhos? Balanço a cabeça, de novo.
- Nada mais de fazer sexo quando você está invisível?
Tenho de admitir que aquilo era muito divertido. Eu recomendo bem. Mas, infelizmente, também nada mais de sexo invisível.
Sara parece mais decepcionada do que eu quanto a isso. - Quanto tempo isso vai demorar? -, ela pergunta.
- Não sei -, respondo. - Depende de quando a investigação vai terminar.
-Quem está fazendo a investigação? - Integridade e Confiança-, informo. - Isso não me parece bom-, ela conclui.
- Você não sabe nem a metade de tudo.

Integridade e Confiança são duas das maiores bajuladoras do universo. A única que as supera, em termos de ficar atrás de Jerry, é Subserviência.
- Ah, Fábio -, Sara lamenta, colocando os braços em volta de mim e me apertando forte. - Sinto muito.
Ela fica me abraçando daquele jeito, próximo e íntimo, nossos corpos se encaixando direito um no outro, meu rosto mergulhado em seus cabelos. Apesar das circunstâncias, minha vestimenta humana subitamente está a ponto de bala.
Sara inclina a cabeça para trás e me olha, um sorriso se abrindo no rosto. - Então, o que é que há com o pijama?
- Eu vomitei em minhas roupas e tive de pegar essas emprestado de Dennis.
Ela me olha para mim, franzindo as sobrancelhas. - Quem é Dennis? - A Morte.
- Morte? -, ela fala, me largando e dando um passo atrás. - Você está usando o pijama daquela caveira de foice? - É muito estranho? -, pergunto. Ela fica me encarando, olhando-me de cima a baixo algumas vezes, antes que seu sorriso retorne. -Bem, considerando que o sexo invisível não vai acontecer, suponho que o pijama da Morte terá de servir pra algo.
Ela dá um passo para trás e passa a mão ao longo da seda negra, depois encosta seu rosto em meu peito e cheira. - O pijama tem o seu cheiro-, ela comenta. - Posso usá-lo?
Estou achando que Dennis não vai mais ver esse pijama.
Uma hora depois estamos deitados na cama, eu, nu, de costas, e Sara curvada ao meu lado, usando a parte de cima do pijama de Dennis desabotoado e amassado.
- Quanto tempo vai durar a investigação? -, Sara pergunta, seus dedos acariciando meu peito. - Não sei -, digo. - Talvez alguns dias. Uma semana, no máximo. Integridade e Confiança são muito fidedignas. E intransigentes. É por isso que todo mundo as odeia.
Integridade e Confiança vivem juntas em um loft de cobertura de mais de nove milhões de dólares no Upper West Side, com pisos de madeira nobre, pé- direito altíssimo e uma vista de tirar o fôlego do rio Hudson. Têm também uma adega com temperatura controlada para mil e quinhentas garrafas de vinho, uma escada de vidro suspensa, duas lareiras de lenha, um enorme banheiro do tipo spa, com uma banheira bem funda, e ducha dupla e ainda um jardim de mil e duzentos metros quadrados, com chuveiro a céu aberto e uma cozinha viking.
- O que acontece quando a investigação terminar? -, pergunta Sara. - O que acontece se eles acharem que você é culpado?
Culpa. É uma palavra dura. Ninguém é verdadeiramente culpado aos olhos de Jerry. Condenado, sim. Expulso, com certeza. Transformado em pilares de sal, pode apostar. Mas culpado? Esse não é o estilo dele. Mesmo assim, a pergunta de Sara é válida.
- Bem -, eu digo. - Além de ser despojado de meus poderes, é possível que seja excomungado.
- Excomungado? Isso não tem a ver com igreja?
- Bem, estamos falando sobre Deus. Mas, seja qual for a qualificação - excomungado, banido, expulso -, tudo remete a uma mesma coisa. - Qual é? -, Sara pergunta.
Isso não é algo que eu realmente queira discutir. É vergonhoso. E deprimente. Você jamais espera ter sua imortalidade revogada. Já é ruim o suficiente ser forçado a usar o metrô em vez de utilizá-lo apenas por diversão. Mas quando você tem de começar a pensar em ficar desempregado e ter de procurar um trabalho, a perspectiva de se tornar mortal fica esmagadora.
Além disso, há todo o processo de transformação. Ouvi dizer que é muito desagradável. Algo como ter suas artérias cheias de chumbo líquido. Então, tenho de olhar para a frente.
- O que você acha da idéia de vivermos juntos? -, pergunto.
Sara levanta sua cabeça com uma das mãos e se apóia em um cotovelo. - Do que você está falando?
De certa forma eu duvido que serei capaz de gastar quase quatro mil dólares por mês de aluguel estando desempregado. E, até onde sei, não há muitas oportunidades de trabalho para entidades imortais em desgraça.
- Bem, digamos apenas que talvez eu precise de um lugar para viver. - Você vai perder seu apartamento? -, ela pergunta. - Entre outras coisas -, eu digo. - Como...?
- Meu cartão Visa Universal, minha carteira de sócio da academia Jardim do Éden, minha imortalidade... - Sua imortalidade?
A maneira como ela falou fez parecer tão permanente. Eu afirmo com a cabeça. - Você vai ficar doente?
Assinto outra vez.

- Vai ficar grisalho e desenvolver pneuzinhos e precisar de óculos de leitura?
Por algum motivo, essa conversa não estava fazendo com que eu me sinta melhor. Mas afirmo com a cabeça de novo.
Sara desliza até a dobra do meu braço, a sua cabeça se esfregando em mim. - Isso não soa tão mau.
- Não soa tão mau? -, pergunto. - Eu estive por aí durante duzentos e cinqüenta mil anos e agora vou ficar sabendo como é ficar doente e lutando contra meu peso e morrendo de velhice e você me diz que isso não é tão mau assim?
- Nós vamos envelhecer juntos -, diz Sara, sua voz vibrando contra meu peito. - Quando você ficar doente, eu vou tomar conta de você. Quando você começar a ficar grisalho, eu vou lhe dizer que você ficou bem charmoso. Quando você criar pneuzinhos, vou brincar a respeito disso. E, quando precisar de óculos de leitura, vou adorar o jeito como você os usa. - Sério? -, pergunto.
Ela se levanta de novo e me fita nos olhos. - Sério.
- Mas, quando eu perder minha imortalidade, eu me tornarei humano. Serei de carne e osso. O que significa o fim da minha vestimenta humana.
Da qual eu particularmente gostava muito, em todo o caso. Você não aprecia a conveniência da tecnologia a seco até se ver na iminência de ter de comprar um desodorante.
- Fábio, por mais que eu aprecie seu corpo perfeitamente esculpido e bem-dotado e o alto prazer que isso me proporciona, eu o amo pela bola de luz fulgurante que há dentro de sua vestimenta humana.
Ela está me encarando com aqueles grandes, maravilhosos olhos dela, que ao mesmo tempo me cativavam e me enchiam de coragem.
- Você me ama? -, pergunto.
Ela sorri e balança a cabeça. "Sem dúvida nenhuma. Você é a melhor coisa que já me aconteceu, Fábio. E não penso em ninguém mais com quem eu queira passar o resto de minha vida."
Sorrio de volta e digo que a amo também, e que, se tiver de perder minha imortalidade com alguém, eu ia querer que fosse com ela.
Sara sorri e diz: - Acho que essa é a coisa mais romântica que já ouvi.

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