Capítulo-26

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Depois que termino as coisas em Paris, passo algumas horas na Inglaterra lidando com uma porrada de fracassados, ex-famosos e membros do Parlamento, e então vou fazer um passeio até a Torre de Londres. O guia, um aspirante a guarda real, conta tantos fatos errados sobre a história da Torre que tenho de começar a corrigi-lo. No final da visita turística, sou avisado para não voltar nunca mais. Tudo bem. O lugar era muito mais animado quando as pessoas estavam ali para ser decapitadas de fato.
Da Inglaterra, vou para a Bélgica e a Alemanha, depois atravesso a Áustria, a Hungria e a Grécia, a caminho do Sudeste da Ásia, antes de balançar sobre a Austrália e então dobrar de volta à China e à Rússia. Um rápido salto sobre o estreito de Bering e uma passagem como se fosse um redemoinho pelo Canadá e, antes que você diga "Destino é uma puta ruiva", estou de volta a Nova York a tempo de meu jantar com Sara. Papai Noel não circula assim tão rápido. Com certeza, ele está entregando a todos os menininhos e menininhas os bens materiais que eles estão esperando receber por seu comportamento impecável, enquanto eu estou enchendo as meias dos que estão sob minha responsabilidade com sugestões sobre como manter um emprego, de por que é inadequado fazer sexo com a sua sogra e quando parar de investir sua poupança de aposentadoria na mesa de roleta.
Nem todo humano está aberto a minhas sugestões. Alguns deles estão tão firmes em sua trajetória e tão convencidos de sua infinita sabedoria que me ignoram ou chamam os guardas para me atacar com spray de pimenta. Mesmo assim, apesar da rejeição e da iminência de ser preso e da sensação de ter minha face molhada em gasolina e queimada, descobri como a maioria dos humanos está faminta por alguém que realmente se interesse por suas vidas.
Para lhes dar algum rumo. Oferecer um senso de propósito. Para oferecer ajuda e conforto - mesmo se for encharcado com frases como "vergonha para a vida inteligente" e "inútil desperdício de carbono". Às vezes é duro ouvir a verdade.
Mas no final das contas eu sinto que estou começando a fazer diferença, em vez de ficar na retaguarda apenas observando meus humanos .n i ninarem suas vidas. Sei que as circunstâncias de suas sinas não admitem participação, que seus caminhos supostamente têm de ser traçados n u suas próprias escolhas, sem qualquer influência. Mas por que os seres humanos que estão sob a responsabilidade de Destino podem decidir sobre seus futuros e os meus estão presos em suas sinas de merda?
- Você está resmungando de novo - diz Sara.
Olho para cima de meu frango com dezesseis especiarias e noto que estou pensando alto de novo.
- O que eu disse? - pergunto.
- Algo sobre sina e destino - ela responde, dando uma mordida em sua chuleta de cordeiro grelhada.
Estamos no Mesa Grill - um barulhento e popular restaurante do Sudoeste, considerado cinco anos seguidos o melhor em cozinha regional Americana de Nova York. Pessoalmente não vejo razão para tanto alarde, Até onde posso dizer, meu frango de dezesseis especiarias tem, no mínimo, três a menos do que o anunciado. Considerando os vinte e sete dólares que cobram pelo prato, isso significa que cada tempero custa um dólar e sessenta e nove centavos, portanto eu poderia ter uma devolução de cinco dólares e sete centavos.
Não é a coisa mais inteligente, de minha parte, ser visto em público com Sara. Você nunca sabe quando vai encontrar Integridade ou Fofoca. Mas Sara começou a se queixar que durante os três meses, mais ou menos, que estamos juntos, nunca tínhamos tido um encontro fora de nosso prédio de apartamentos.
Então, porque eu quero que ela fique feliz, reservei uma mesa no Mesa Grill para o jantar. Não é exatamente um lugar pequeno e íntimo, mas pensei que, já que íamos sair em público, poderíamos muito bem nu errar esse assunto. Além disso, não é que eu esteja tentando esconder de Destino o meu relacionamento com Sara. E, sendo realista, não posso esperar que Sara se contente com sexo, televisão a cabo e pedidos de comida chinesa em domicílio para sempre. Depois, o refrigerador de Sara eslava vazio e ela precisava de algumas sobras.
- Então, o que você está resmungando ai? - pergunta Sara, dando outra mordida em sua chuleta com purê de batatas e alho. - Não é nada - eu digo.
- Não é nada - fala Sara. - Você fala sobre isso o tempo todo. - Falo o tempo todo sobre o quê?
- Sina e destino - ela diz. - É como se fosse uma obsessão para você. Você fala sobre isso até quando dorme.
Eu não tinha percebido que insistia tanto nisso. E não tinha a menor idéia de que falava durante o sono.
- Não estou obcecado - eu digo. - Estou apenas... preocupado. - Por que? - ela pergunta.
Outra coisa sobre as mulheres mortais: elas fazem um monte de perguntas. O que pode se tornar um grande desafio, quando você está tentando evitar lhes dizer a verdade.
- Eu não sei - digo. - Foi você que começou.
Isso mesmo. Eu consegui desviar da culpa. A manobra deve resolver o problema.
- Eu - ela continua. - Como foi que eu comecei essa coisa?
- Quando você me perguntou se eu acreditava em destino - eu disse. - Sim, mas quando eu perguntei como sabe tanto a respeito de sina e destino, você me disse que era um hobby seu.
Eu não sei como me deixei ser encostado contra a parede, como estou. Quero dizer, é como se eu não pudesse ver o que estava vindo.
De repente, não estou mais interessado no resto de meu frango com treze especiarias.
- Escute - diz Sara, inclinando-se sobre a mesa e pegando minha mão. - Estou apenas tentando entender você. Para conhecê-lo. Para descobrir a pessoa que há dentro de você. E não posso fazer isso se você me mantiver à distância.
Ela está certa. Mas não sei como discutir esse assunto com Sara sem explicar quem sou e o que faço. Com certeza eu não tenho exatamente seguido
o manual da companhia, ultimamente, mas oferecer o tipo de honestidade de que ela precisa é procurar problemas. Tenho de improvisar.
- Você se lembra de quando disse que pensava que estávamos desti- nados a nos encontrar? - pergunto. Sara assente. - O que levou você a pensar isso? - quero saber.
- Não sei - ela responde. - Apenas um pressentimento. Como se hou- vesse um grande propósito em nosso encontro. Algo único. Algo... - Especial?
Sara confirma e sorri.
Eu me debruço sobre a mesa e seguro as mãos de Sara nas minhas. - Se você me perguntar, o que há de especial sobre nós é você.
Não se trata de uma evasiva ou de uma tentativa de mudar de assunto ou de se jogar para um boquete. É simplesmente a verdade.
- E o que você disse a respeito de pensar que nós estávamos desti- nados a estar juntos - eu disse.- Eu também penso. - E a coisa é que eu penso mesmo, acabo de perceber.
Sara sorri novamente, depois se inclina por cima de meu frango de treze especiarias e me beija, antes de retornar à sua chuleta de cordeiro.
O resto do jantar transcorre sem nenhuma conversa sobre fado e destino, embora Sara faça um comentário sobre como ela preferia ser destinada do que fadada, qualquer que fosse o dia da semana, o que fez maravilhas por meu ego. Isso também me lembra que já é tempo de ir embora. É quase impossível ir a um restaurante em Manhattan e não tropeçar em Embriaguez ou Ansiedade ou um dos Mortíferos. Até agora não vi nenhum deles, mas não quero forçar a minha sorte me queixando sobre meu frango deficiente de condimentos ou pedindo sobremesa.
Quando estamos saindo, Sara para e dá as sobras para uma mulher sem teto na Quinta Avenida, o que significa que teremos de pedir pizza ou comida chinesa em domicílio para que ela tenha algo que comer no café da manhã. Enquanto ela está remexendo na carteira para pegar uma nota de vinte para dar à mendiga, eu me viro para encontrar Destino me encarando do lado de dentro do Mesa Grill.
Destino está do outro lado da janela usando uma blusa de seda vermelha bem justa, jeans vermelhos apertadinhos, tênis de couro vermelho e uma boina vermelha. Se não fosse invisível, não restaria um só humano macho presente no restaurante que deixasse de lhe perguntar seu número de telefone ou que não saísse no tapa, com o objetivo de conseguir um encontro com ela.
Ela continua a me encarar, lambendo a janela e se esfregando no vidro, então eu me viro e observo Sara com a mulher sem teto, conversando com ela, confortando-a, fazendo com que desse risada, lançando sobre ria a mesma magia que espalhava sobre todos os que encontra. A mesma magia que ela lança sobre mim.
Penso em como era minha existência antes de Sara - mundana e infrutífera, repleta de frustração e decepções e com sexo vazio, sem significado, sem contato. Agora, minha existência é excitante e otimista, cheia de propósito e de satisfação e com transas emotivas, intimas e de total contato.
Nunca experimentei nada remotamente semelhante ao que sinto por Sara. Esse desejo de estar com ela. De vê-la e de senti-la e de tocá-la. De aspirar seu perfume e ouvir a sinfonia de sua voz. De mergulhar meus sentidos em tudo de Sara.
Enquanto fico ali parado olhando-a oferecer à sem-teto mais conforto com suas palavras e um toque mais caloroso do que o que significa a nota de vinte dólares, penso em como aprecio os prazeres mais simples proporcionados pelo fato de estar com Sara, como o peso de sua mão na minha ou a maneira como seu perfume fica no travesseiro ou o calor do seu corpo curvado perto do meu. Porém, acima de tudo, penso em como ela mudou minha atitude. Em como me fez olhar o futuro do meu trabalho, pela primeira vez em séculos. Em como me influencia de forma positiva, como eu jamais poderia imaginar.
Penso em como sou tão mais alegre quando estou com ela.
Antes que possa me conter, caminho até ela, faço com que se vire e a beijo como se não a visse há semanas.
Talvez seja porque ela não agüenta nos ver juntos. Ou talvez ela tenha tido outra emergência. Ou talvez ela apenas tenha se cansado de ser ignorada. Quando eu me volto para trás, Destino não está mais lá.

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