Capítulo-46

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Você poderia pensar que, sendo uma deidade sabe-tudo, vê-tudo e todo- poderoso, Jerry seria capaz de se manter em dia sobre tudo o que seus encarregados imortais estavam fazendo, rotineiramente. Começando guerras. Espalhando doenças. Matando inocentes e pondo a culpa em mim. Com certeza, ele não teve a menor idéia durante meses, então não posso culpá-lo por não perceber o que Destino estava fazendo com seus dias livres. E ele tem uma agenda muito carregada, seja respondendo a orações ou planejando o novo Messias e apresentando os Globos de Ouro. Mesmo assim, eu gostaria de achar que ele notou algo.
De fato, não tenho nenhuma prova tangível de que Destino seja res- ponsável pelas mortes de meus humanos, mas sei que é verdade, da mesma forma que sei que Sara está destinada a gerar um descendente de Jerry. Eu sinto isso em minha vestimenta humana. E embora lamente o que aconteceu com Cliff Brooks, Nicolas Jansen e todos os outros, ao menos sei que a morte deles não foi por culpa minha.
Só que isso não é toda a verdade. Se eu não tivesse começado a interferir nas sinas de meus humanos, nada disso teria acontecido. Nenhum deles teria sido mandado para a Trilha de Destino. Nenhum deles teria morrido. Mas, embora esteja disposto a assumir a responsabilidade por meu papel em tudo isso, não posso aceitar ser o único a levar a culpa.
toque.

Antes que eu perceba o que estou fazendo, pego o telefone celular e disco para Destino.
- Fááááááááááááááábio! -, ela diz, atendendo depois do primeiro
- Precisamos conversar -, digo. - Espere -, ela diz.
Ao fundo, escuto murmúrio de vozes e o som de risadas e de uma orquestra tocando "Winter Wonderland". - Onde você está? -, pergunto. - Onde estão todos -, responde. - Com Jerry. Ah, certo. A festa de Natal da empresa. Aquela à qual não pude compa- recer porque não tenho mais a capacidade de me transportar. Aquela mesma.
- Lamento que você não possa estar aqui -, ela diz, os ruídos de fundo desaparecendo. - A festa não é a mesma sem você. - Sim, bem... graças a você -, digo. - O que você quer dizer?
- Não venha com joguinhos comigo. Sei o que você fez. E não vou deixar você se safar dessa.
- Safar do quê? -, ela pergunta, tão inocente que eu quase acredito que ela não sabe mesmo do que estou falando.
- Cliff Brooks. Nicolas Jansen. Darren Stafford. Alguns desses nomes significam algo pra você? - Deveriam?
- Sim -, continuo. - Considerando que você os matou. - Tá, por que eu faria isso?
- Porque você é uma puta sem coração. - Você tem alguma prova? -, quer saber. - De que você é uma puta sem coração? -, pergunto. - Sobre esses humanos que você acha que eu conheço. - Não preciso de nenhuma prova. Você é que vai precisar. - Espere aí -, ela diz. - Há alguém que deseja dizer oi para você. Eu penso que ela está apenas me ignorando, se afastando enquanto procura alguém mais para passar o telefone. Mas, pouco depois, uma voz diz: - Ei, Fábio! Qual é a sua desculpa para não estar aqui?.
Embora não a veja há algum tempo, sem dúvida é a voz de Álibi. O problema de Álibi é que ela é hermética.
Ela é a desculpa perfeita. Sempre digna de crédito. Nunca indefensável. Ela é a principal testemunha. A garota da porta ao lado. Aquela em
quem todos os jurados e todo comitê de investigação vão acreditar.
E como se isso não bastasse, acontece que ela é simplesmente a ir- mãzinha de Confiança.
Perfeito. Álibi não apenas pode oferecer uma explicação convincente a respeito do paradeiro de Destino por ocasião de cada uma das mortes de meus humanos, como é parente de um dos agentes que está me investigando.
- Você estava dizendo...? -, fala Destino, voltando à linha.

Sei que é infantilidade e que provavelmente me arrependerei disso, mas não posso mais suportar o som da voz de Destino. Então desligo na cara dela, depois me sento e fico observando a paisagem do East River de minha janela, tentando imaginar o que vou fazer.
Talvez eu pudesse conduzir minha própria investigação, ver se posso conseguir alguma evidência capaz de implicar Destino, apesar de tudo. Bisbilhotar. Falar com algumas pessoas. Só que, com minha recente revogação de privilégios, não tenho tempo para fazer esse trabalho.
Talvez eu possa conseguir que Dennis ou Dona Sorte ou Carma in- vestiguem. Sigam Destino por aí e ver se ela comete algum erro ou oferece algo que possa me ajudar. Só que eu sei que seria pedir demais, até porque eles mal têm tempo para si mesmos. Além disso, no ponto a que chegamos, duvido que Destino vá cometer alguma idiotice.
Talvez eu possa sentar-me com Jerry, esclarecer tudo e esperar que ele acredite em mim. Mas isso significaria ter de admitir meu relacionamento com Sara. Mesmo que ela não estivesse sendo destinada a ser a mãe do próximo Messias, há possibilidade de que ele termine conosco. E, da mesma forma que eu aprecio minha vestimenta de homem e a capacidade de ficar invisível e de viajar pelo globo sem ter de passar pela imigração, prefiro ser mortal com Sara do que imortal sem ela.
Portanto, realmente não tenho nenhuma chance. Tenho de aceitar minha situação e esperar pelo melhor. O problema é que Jerry provavelmente vai descobrir meu relacionamento com Sara mais cedo ou mais tarde. E, quando isso acontecer, sou eu que vou me ferrar.

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