Capítulo-9

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-T-trinta-e-seis, por favor, dirija-se ao guichê número treze.

Estou em Nova York, no Departamento de Veículos Automotores, o DVA, na parte superior de Manhattan, a apenas um confronto racial de distância do East River.

Estou sentado aqui há quase trinta minutos, esperando a minha vez, para providenciar a papelada de minha identidade roubada. Você não pode pedir uma nova carteira dessas por e-mail. Tem que ir a uma agência e solicitar pessoalmente.

Se eu tivesse uma carta de motorista do estado de Nova York, poderia ter feito isso on-line. Mas Jerry não quer que nenhum de nós dirija depois do que aconteceu com James Dean. Foi uma espécie de ato reflexo, considerando que não somos tão atrevidos quanto Imprudência, mas às vezes você apenas tem de cumprir as ordens. Além disso, quem precisa de uma carta de motorista quando pode viajar à velocidade da luz?

Em momentos como este é que você dá valor à capacidade de ficar invisível.

Com certeza, não posso fazer isso aqui. Mas, depois de mais de duzentos e cinqüenta mil anos, você deixa de dar valor a algumas coisas.

Eu já iniciara uma chamada para cancelar o meu Visa internacional, que tem o melhor atendimento ao cliente no universo. Literalmente. Eu posso usar

o meu Visa em qualquer planeta onde haja vida inteligente, junto a um pacote de serviços. E se meu cartão for perdido ou roubado e as despesas não autorizadas aparecerem em minha fatura, serei reembolsado. Mesmo que as compras tenham sido feitas em uma das luas de Júpiter.

— T-trinta e sete, por favor, vá para o guichê número cinco.

O guichê número cinco fica à minha esquerda, onde o funcionário, que ainda estará trabalhando aos cinqüenta anos de idade e a caminho de um ataque do coração, espera por seu próximo cliente com expectativa zero. Estou olhando para ele com o mesmo tipo de desinteresse, quando a nova inquilina que se mudou para meu prédio se dirige ao guichê.

Sara Griffen está vestindo um terninho preto e usa um par de sapatos confortáveis. O cabelo dela está preso e eu posso ver a parte superior de sua nuca, pálida e protegida por um casaco macio e aveludado. O problema de Sara Griffen é que ela é um mistério. Eu a encontrei, várias vezes, na saída de nosso edifício de apartamentos e a segui, tentando descobrir por que ela me atrai, porque é tão diferente do futuro pedófilo do apartamento de 502 ou da mulher do 1216, que vai levar o resto de sua vida para descobrir que a cirurgia plástica não pode comprar felicidade. Até agora, tudo o que posso dizer sobre Sara é que ela gosta de fazer exercícios no Central Park, come um monte de comida pronta, e não suporta o som de bebês gritando.

Eu também descobri que ela definitivamente tem um poder sobre as pessoas.

Observei o funcionário do DVA. Vi como ele olhava para Sara, e notei que em vez do semblante que ele ostentava momentos antes, agora está mais dedicado. Há um brilho em seus olhos que não estava ali antes. Um entusiasmo em sua atitude que é genuíno. Um sorriso não forçado.

Talvez seja porque ele está desesperado para fazer sexo e espera que Sara o considere atraente. Talvez seja porque ele simplesmente aprecie flertar com mulheres. Ou talvez porque há algo em Sara que simplesmente faça com que ele se sinta feliz.

O que me faria feliz é não ter de gastar meia manhã no DVA.

— C-cinquenta-e-um, por favor, dirija-se ao guichê número dois. Enquanto eu a observo, me pergunto de novo por que Sara Griffen está na Trilha de Destino, o que é que ela tem que a faz tão diferente do viciado em videogames prestes-a-ser-demitido, à minha esquerda, e da futura adúltera, agora com dezessete anos de idade, que está sentada à minha direita.

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