Capítulo-42

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Acordo deitado de costas em uma cama enorme, coberta com um edredom e um trio de travesseiros, todos de pluma. O edredom é de seda negra e as fronhas, de algodão egípcio de trezentos fios. Cor de ameixa. Para combinar com o conjunto de cama.
- Bem-vindo de volta da morte -, diz Dennis. - Começamos cedo hoje, não é mesmo?
Dennis está na cozinha, coando o café com o melhor cheiro que já senti. Tinha esquecido de como ele é esnobe em relação aos cafés que escolhe.
Dou uma olhada para baixo e percebo que estou usando um dos pijamas de seda negra de Dennis.
- Onde estão minhas roupas? -, pergunto.
- No lixo -, ele diz, caminhando até onde estou e me oferecendo uma caneca bem quente, fumegando, daquela delícia amarga. - Tome isto. Você vai se sentir melhor.
Tomo um gole e o uísque em meu cérebro grita em protesto. - Há quanto tempo estou aqui?
- Há cerca de uma hora -, diz Dennis, que se serve de uma xícara de café e se senta em uma poltrona vermelha de espaldar alto e braços, sob uma luminária de chão de tom vermelho.
Olho o apartamento-estúdio, que não é decorado com uma coleção de caveiras nas estantes e as paredes não são pintadas de preto. Não há tapetes temáticos nem música assustadora de órgão tocada nas caixas acústicas do aparelho de som.
Em vez disso, as estantes estão cheias dos ensinamentos de Sócrates, Platão e Aristóteles, junto a livros de física quântica, coleções de poesia e a obra completa de Mark Twain.
As paredes são pintadas de um verde-malva suave e o chão coberto de carpete em tons de vermelho e violeta. A interpretação de Billie Holiday para "I've Got My Love to Keep Me Warm" flui dos alto-falantes. - Então -, diz Dennis. - Como passou o dia?
- Cheio de surpresas -, digo. - Um dia memorável. Noto que você es- teve muito ocupado.
- Não mais do que o de sempre.
- É mesmo? -, falo, com o significado implícito no tom de minha voz. Ou talvez isso esteja claro na maneira como olho para ele. - O que está passando na sua cabeça?
- Ora... como se você não soubesse. Como se não tivesse nada a ver com isso.
- Do que é que você está falando? Então eu conto a ele.
Sobre Darren Stafford e Cliff Brooks e todos os outros humanos do meu caminho e que eu matei. Sobre meu encontro com Jerry. Sobre a hora em que fiquei bêbado e sobre a aposta no fato de que Samuel Adams não teria culhões para enfrentar os ingleses. Bem, não teve mesmo. - Como se você não soubesse de tudo o que está acontecendo -, iro-
nizo.
- O que isso quer dizer? -, ele pergunta.
- Puxa, Dennis, vamos lá -, comento. - Não brinque comigo. Sei que você é responsável por todas aquelas mortes.
- Eu? -, ele pergunta. O que o leva a pensar que eu sou responsável? - Ah... eu não sei, Senhor Ceifador. Talvez porque seja o seu trabalho. - Olhe... não fui eu quem decidiu começar a alterar as sinas dos seus humanos.
- Tá certo. Mas você não tinha nada que matar todos eles. - Não matei ninguém -, afirma Dennis.
- Ah... tá. Como se eu fosse acreditar nisso.
- Ouça -, diz Dennis, se inclinando para a frente. - Todos eles estavam mortos antes que eu chegasse.
- Então você admite que sabe sobre eles.
- Claro que eu sei -, diz Dennis. - Sou eu que tive de informar a Jerry sobre isso.
- Você as relatou? Por que teve de fazer isso?
- Porque nenhuma daquelas pessoas deveria morrer.
- Sério? -, eu digo, destilando sarcasmo. - Então foi por isso que tive de voltar para casa em um voo fretado?
- Não. Quando alguém está prestes a morrer, a menos que eu esteja fazendo uma massagem ou uma manicure, chego um segundo antes de sua morte. Mas no caso de todos esses humanos que você mencionou, eu não sabia de nada, a não ser no instante de suas mortes. Quando apareci, todos já estavam frios e começando a endurecer.
E você sabe muito bem como eu detesto a rigidez cadavérica.
Às vezes, durante o processo de rigidez cadavérica, os músculos dos mortos se contraem de uma maneira que faz com que os membros se movam, mesmo que o corpo esteja morto. Isso deixa Dennis apavorado. - Não entendo - digo, com minha cabeça nadando em uísque e ca- feína. - Como é que você poderia não saber sobre eles?
- Não sei -, Dennis responde. - Por que você não me contou? Foi você que decidiu brincar de Jerry.
Nada daquilo fazia sentido. Mas, até então, eu estava fodendo com o universo.
- Não era isso que eu queria que acontecesse -, comento. - Eu apenas estava tentando ajudar.
- Tá... muito bem... você os ajudou a morrer prematuramente. Nenhum daqueles humanos estava em meu planejamento diário. Não tinha Cliff Brooks agendado para os próximos trinta e sete anos.
- Então você não teve nada a ver com as mortes de meus humanos? -, pergunto.
- Não -, afirma Dennis. - E é isso que estou tentando lhe dizer. - Ah... -, digo, tomando um grande gole de café.
Durante alguns momentos, nada se ouve senão o som das conclusões a que vou chegando e a suave, frágil voz de Billie Holiday.
- Então -, digo. - Quais você acha que são as chances dos Jets sobre os Patriots, neste fim de semana?

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