Capítulo-34

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- Tenho uma surpresa para você - diz Sara enquanto me pega pela mão e me conduz pela Quinta Avenida.
Não sou muito chegado a surpresas. Vai entender... Mas no dia em que volto da Califórnia, Sara diz que quer me levar a algum lugar e que vou adorar.
Espero que sim. Eu poderia usar algo para me animar. Não que não tivesse tido uma boa estadia em San Francisco, mas, depois de me transportar para Manhattan, fiz uma breve análise dos humanos que recentemente encaminhei para a Trilha de Destino e descobri que Cliff Brooks está morto.
Não sei o que aconteceu. Estou beeeem seguro de que não vi que isso aconteceria. Talvez se ele estivesse destinado a morrer durante uma luta por uma causa nobre ou para salvar a vida de alguém, eu poderia entender. Mas humanos na Trilha de Destino não são, do nada, atacados por uma matilha de cães de corrida ao comer um Big Mac com batatas fritas.
Eu não me sentia assim tão mal desde o Partido Donner.
Ao menos com eles não é que eu tivesse oferecido conselhos ou um itinerário de viagem ou sugerido algo no cardápio. Eles cometeram seus pró- prios erros e eu permiti. Mas, com Cliff Brooks, sou o cara que o colocou na Trilha de Destino. Sou o único responsável por encaminhá-lo à morte.
- Aqui estamos - diz Sara, logo depois que atravessamos a rua e per- cebo que estamos caminhando para o Metropolitan. A princípio, eu não tinha idéia do que ela poderia ter planejado para me surpreender. É quando vejo os avisos colocados nas bilheterias e na porta da frente, informando a nova exposição temporária:
A Natureza do Fado.
- Você está sempre falando sobre fado e destino - diz Sara, enquanto nos dirigimos para o interior do museu. - Sobre o conceito da multiplicidade da fatalidade e de como as pessoas fazem escolhas sem considerar suas possíveis conseqüências, sobre a inevitabilidade de suas sinas. Então pensei que você ia gostar disso.
Não sei se gostar é a palavra que eu usaria para descrever como me sinto a respeito de ver uma mostra de arte representando minha natureza. - Surpreso? - Sara pergunta, apertando minha mão.
- A palavra poderia ser essa - eu digo, ao improvisar rapidamente um sorriso convincente e lhe dar um beijo. - Você é o máximo.
Como regra geral, tendo a ficar longe de museus. Não que não aprecie a arte. Só que muitas das peças que estão nos museus do mundo são representações de pessoas e eventos que eu conheci e vivenciei, memórias que prefiro não revisitar, especialmente em meu estado de ânimo atual. Aparentemente, eles trouxeram todas ao Metropolitan, para que eu possa apreciar a Natureza de Mim. Surpresa.
Há A morte de Sócrates. A Última Ceia. A descoberta do Novo Mundo. A queda da Bastilha. O naufrágio do Titanic. A Grande Depressão. Há pinturas mitológicas de Sísifo e Édipo e Prometeu. Da caixa de Pandora, de O julgamento de Paris e de A morte de Aquiles. E há dezenas de outras pinturas e retratos e esculturas representando homens e mulheres enquanto estavam prestes a tomar uma decisão que mudaria suas vidas ou no momento em que percebem o fatal significado de suas ações. Sim. Isso é tudo que eu precisava para me animar. Em minha defesa, há alguns trabalhos artísticos ilustrando Morte, Inveja, Luxúria, Crueldade e Guerra.
Mesmo assim, é bem humilhante me ver retratado em uma coleção de caos e erros e desespero.
- O que você acha? - pergunta Sara. Acho que vou vomitar. Em vez disso, me ouço dizendo: - É impressionante
Acho que nunca me imaginei sob essa luz. As pinturas fazem com que eu pareça um insensível, um negligente bastardo que impinge desagradáveis circunstâncias aos humanos inocentes. Com certeza, as circunstâncias são ditadas pelas escolhas que meus humanos fizeram, mas ninguém gosta de ver sua verdadeira natureza ilustrada sob a suave iluminação do museu.
- O que você acha? - eu pergunto.
- Sobre a coleção? - Sara indaga. Eu balanço a cabeça.
- O que você acha sobre a natureza do Fado?

- Penso que o Fado é volúvel - ela diz. - Acho que ele gosta da dor e do sofrimento que inflige às pessoas. É como se ele tivesse nascido para fazer isso.
Aparentemente, essa era a pergunta errada a fazer. - Você disse ele - eu aponto. - O quê?
- Você se referiu a Fado como ele. Como se a Fado fosse um homem.
- Com certeza - ela afirma. - Só um homem poderia causar tanto sofrimento e tristeza e aparentar ter tanto prazer com isso. - Você nunca conheceu Crueldade - eu digo. - Quem? - Nada. Eu realmente tenho de parar de dizer coisas em voz alta. Nós continuamos a passar por pinturas de erros e maus julgamentos. De esperanças perdidas e de oportunidades desperdiçadas. De fracassos e desapontamentos. Quando terminamos, sinto como se tivesse lutado dez rounds com Caos e tivesse sido atacado por Agressividade.

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