Capítulo-24

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Quando chego em casa, Sara está esperando por mim em meu apartamento. Provavelmente não foi uma idéia muito inteligente de minha parte dar a chave a ela. Não que não confie nela ou que não aprecie ser recebido com um beijo e um caloroso abraço. O problema é que eu tenho o costume de simplesmente me transportar para dentro e para fora do conforto de minha residência, o que é difícil fazer quando sua namorada mortal preparou uma noite romântica.
Eu me esqueci completamente daquele encontro noturno. Ando pela porta da frente, exausto pelas minhas últimas tentativas de ajudar os humanos a redescobrir seus caminhos ideais. Claro, quando você tem a capacidade de viajar à velocidade da luz, uma viagem trans-continental é uma ninharia. Mas quando você atravessa quatro continentes e trinta e dois países em três dias na tentativa de melhorar a sina dos humanos e se reconciliar com Morte, você só quer tomar um banho quente, tirar sua vestimenta humana, torcer sua roupa de homem, e dar o dia por completo.
O encontro de noite foi idéia de Sara. Não que não passemos muito tempo um com o outro. Provavelmente mais do que deveríamos, uma vez que estou atrasado em minhas cotas e que nosso relacionamento não conta propriamente com a aprovação de Jerry. Mas considerando minhas estranhas horas de trabalho e o fato de eu continuar dando desculpas sobre por que nunca salmos juntos em público, Sara quis reservar urna noite para fazermos algo especial.
Então, antes mesmo que eu tivesse a chance de tomar um banho ou de mudar minhas roupas, Sara me leva até o sofá, para um jogo de strip-palavras- cruzadas
As regras eram muito simples:

1 - O jogador que não tiver tantos pontos como seu oponente, em qualquer rodada, tem de remover uma peça de roupa.
2 - O jogador que soletrar uma palavra sexual pode fazer com que o oponente tire outra peça de roupa e também está isento de tirar qualquer uma das suas durante aquela mesma rodada, mesmo que tenha o menor número de pontos de todos.
3 - Se um jogador apresenta um desafio com uma palavra e vence, ele pode colocar uma peça de roupa de volta, mas se perder tem de remover alguma.
4 - O vencedor do jogo pode fazer um pedido ao perdedor.
É uma maneira engraçada e informativa de ficar pelado. Como Sara é a anfitriã, eu a deixo começar, o que se mostra um erro. Não apenas ela consegue
o ponto automático de palavra dupla, como soletra a palavra fadado. Por alguma razão, isso não me parece muito divertido. - Então, como foi a sua viagem? - Sara pergunta. - Boa - eu digo.
- Você fez alguma coisa divertida? - Não, realmente.
Eu soletro a palavra tetas. Vale apenas seis pontos, diante dos vinte e dois de Sara, mas, invocando a segunda regra, eu faço com que ela tire sua blusa.
- O que você fez?
- Só coisas de trabalho - digo, misturando minhas cartas. Quando le- vanto os olhos de minha carteia, posso dizer pela expressão em seu rosto que Sara está chateada com alguma coisa. - Está tudo bem? - pergunto. - Sim - ela afirma. - É que você nunca quer compartilhar nada sobre seu trabalho.
Sara soletra a palavra distante.
- Não é muito interessante - eu digo. - É interessante para mim - fala Sara. - Por quê? - pergunto. Honestamente, quem havia de querer saber o que faz alguém que supostamente trabalhe com commodities internacionais? - Porque é parte do que você faz - responde Sara. - Faz parte do que você é.
Eu soletro a palavra merda e tiro uma de minhas meias.
Então, sendo tão vago quanto possível, eu conto a ela como cuido de milhões de clientes e como a maioria deles tende à falta de bom senso a fazer decisões ruins.
- Você não teria de alertá-los? - ela questiona, soletrando a palavra sêmen para um ponto duplo. - Oferecer a eles alguma orientação? - Não é simples assim - digo.
- Por que não? -, ela quer saber. - Porque não.
Tudo o que tenho são vogais e consoantes de um só ponto, então o melhor que posso fazer é parar. Assim, Sara ganha a rodada e soletra uma palavra sexual, o que vale por duas peças de roupa. Assim perco a outra meia e minha camisa.
- Porque o quê? - pergunta Sara. - É complicado.
- Dê-me um exemplo - ela continua. - Não podemos falar sobre outra coisa? Sara soletra a palavra choramingar, depois cruza os braços e fica olhando para mim do outro lado da mesa, um sorrisinho no rosto.
- Muito bem - eu digo. - É mais ou menos assim. Meus clientes ra- ramente costumam fazer o que deveriam. Então, mesmo com meus conselhos e orientações, não há nenhuma garantia de que seguirão o que indico. E mesmo que façam isso, ainda existe a possibilidade de que estraguem tudo em algum ponto da estrada.
Sara me encara e inclina a cabeça para um lado. - Você tem certeza de que não deveria estar no serviço de atendimento ao cliente?
- O problema é que a maioria das pessoas nunca tem consciência plena de seu potencial - eu falo. - Em vez disso, permitem que sejam sepultados sob todas as expectativas sociais e sob a constante rotina de uma existência que as condena a sua sina.
Eu soletro a palavra perdedor e tiro minhas calças.
- Sabe no que acredito? - Sara pergunta, embaralhando as peças em sua estante. - Acho que as pessoas tentam fazer o melhor que podem. E que mesmo quando estão lutando ou tomando decisões erradas, ainda assim continuam trabalhando na direção de um grande propósito.
Eu tento fazer uma cara séria, mas a ingenuidade dela é tão engraçadinha.
Sara soletra a palavra esperança. O problema de Sara é que ela é sincera. - Tá, muito bem, a maioria das pessoas com quem eu faço negócios tem uma história de tomar decisões ruins - digo.
- Então, faça outra coisa - Sara sugere. - Algo em que você possa trabalhar com pessoas que não vão decepcioná-lo.
- Esse emprego já está preenchido - digo. Eu soletro a palavra puta. Com minha dupla vitória, Sara tira seus jeans e seu sutiã, deixando-nos apenas com nossas roupas de baixo, embora ela ainda esteja usando meias.
- Além disso, alguns de meus clientes estão começando a me ouvir - conto. - Então, vou permanecer com eles para ver o que acontece. Sara me olha do outro lado da mesa e sorri. - Obrigada.
- Por quê? - pergunto.
- Por compartilhar - ela responde, e então soletra a palavra felação. Pela expressão no rosto de Sara e pelo fato de que eu provavelmente não possa superá-la nos pontos, eu tiro toda a minha roupa íntima e espero que ela venha reclamar seu prêmio. Com sorte realizando a palavra que a fez vencer.
Com um sorriso sedutor e um olhar lúdico, Sara se levanta da mesa, me pega pela mão e me conduz ao sofá. - Quer tentar algo novo? - pergunta. - Você venceu - eu digo, me recostando. - O que você quiser. Sara monta em mim, colocando uma mão em cada lado da minha cabeça, o rosto a poucos centímetros do meu. Ela se inclina para me beijar, os lábios entreabertos, a língua provocantemente úmida, e então, no último momento, ela desliza para baixo em direção à minha cintura. Eu observo seu movimento, passando por meu peito perfeito, depilado e esculpido, por minha barriga de tanquinho e, depois, eu me recosto e fecho meus olhos, sentindo a respiração dela me acariciando, com uma antecipação tamanha que tenho dificuldade de me controlar.
Não tenho muita certeza de quanto tempo passa, mas em algum momento eu noto que ainda estou esperando por contato físico.
Quando abro os olhos, vejo Sara fazendo uma simulação de sexo oral. - O que você está fazendo? - pergunto.
- O que você quer dizer? - ela responde, olhando para mim. - Por que você está fingindo que está me chupando? - Isso se chama sexo sem contato - ela explica, rastejando em minha direção, até que seus quadris estão sobre os meus, movimentando-se para frente e para trás, sem me tocar. - Dalila me contou sobre isso. Disse que era até melhor que relações sexuais diretas.
Que beleza! Eu saio por dois dias e Destino convence minha namorada a parar de fazer sexo comigo.
- O que você acha? - Sara quer saber.
Eu acho que Destino está passando tempo demais com minha namorada, isso é o que eu penso.
Eu a imagino nos observando, escondida no canto, usando suas meias vermelhas e ligas e calcinhas abaixo da cintura e um sutiã vermelho, com um sorrisinho maroto e comendo uma maçã caramelada.
Antes, eu ficava excitado só de pensar em Destino com um modelo como aquele. E sempre fiquei entusiasmado ao ver uma mulher comendo uma maçã. Eu sou tarado por simbolismo religioso. Mas, com Sara flutuando sobre mim, seu lindo rosto sublime como uma escultura de Michelangelo, acho que o encanto de Destino me distrai. Eu não quero pensar nela. Só quero pensar em Sara. Sobre como me sinto quando estou com ela. Sobre como valorizo cada momento que passamos juntos. Sobre como me sinto mais completo. Como se estivesse perdendo algo durante toda a minha existência e nem tivesse percebido o que faltava até que a encontrei. Ela é honesta e compassiva Generosa e sincera. Paciente e compreensiva. Em resumo, ela é tudo o que eu não sou. É que penso que em Sara eu encontrei meu complemento perfeito. Ela é a borracha do meu lápis. O Camembert da minha baguete. O yin para meu yang.
Eu olho para cima, em direção a ela, e a encontro olhando para mim, um delicado sorriso tocando seus lábios, seus olhos direto nos meus, e percebo que não me importo que Destino tenha se transformado na melhor amiga da minha namorada. Eu não me importo que ela esteja tentando perturbar nossa vida sexual ensinando a Sara sobre sexo sem contato. O tiro saiu pela culatra. Agora, eu me sinto mais próximo de Sara do que nunca.

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