Capítulo-37

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Estou sentado em meu computador pouco depois da meia-noite, designando sinas para os duzentos e cinqüenta mil bebês agendados para nas- cer hoje e lendo um artigo no Wikipedia sobre fado e destino, quando recebo outro e-mail de Jerry, destinado a todos: Memorando Urgente! Por favor, leiam!
É possível que seja apenas outro spam nos alertando sobre um vírus de computador ou nos avisando como podemos receber uma recompensa em dinheiro mandando mensagens de teste para o sistema de rastreamento de e- mails da Microsoft/AOL. Mas, considerando o grande projeto dele, não posso deixar passar e depois descobrir que perdi o memorando sobre o apocalipse. Então começo a ler.
A princípio, penso que seja um daqueles do tipo espiritual que Jerry manda para nos lembrar de sua glória, porque começa com alguma retórica que soa religiosa sobre o Messias.
Mas percebo que isso é sério, então releio:

Memorando
No dia de hoje, faço saber que o retorno do Messias é iminente. Embora a data exata e a localização desse retorno ainda devam ser determinados, está chegando o tempo para
o nascimento de um novo salvador entre os mortais. Enfrentem isso com sabedoria e paciência e, espero, senso de humor. Por ora, todos os membros da equipe estão instruídos por ordem executiva a se preparar para a chegada do Messias,
em algum momento dentro dos próximos dezoito meses, conforme indicações
em seus planos de trabalho individuais. Dos que não estiverem diretamente envolvidos, espera-se que organizem
o chá de bebê.
Grato por sua cooperação.

J.

Uau! Um novo Messias. Não vi que isso estava para acontecer. Mesmo entre nós, os imortais, um novo Messias é uma grande notícia. Maior ainda do que uma pandemia ou um holocausto nuclear. Já faz um par de milênios desde que Jesus teve a sua chance, e agora parece que alguém mais vai tentar. Esperemos que este tenha um final feliz.
Não que Jesus não tenha feito direito o seu trabalho. Ele teve um impacto substancial na espiritualidade nos últimos dois milênios. Mas mesmo que você seja o salvador da humanidade, a crucificação é uma forma muito dura de manter seu ponto de vista. Com certeza, no mundo de hoje, ser pregado numa cruz e deixado para morrer vagarosamente por sufocamento é uma violação dos direitos humanos, então a possibilidade é de que o novo Messias seja crucificado apenas em tese, politicamente, via exposição na mídia. Chame isso de Gólgota dos dias atuais.
Naturalmente, eu não teria muito a fazer com o Messias. Alguns de seus adversários e opositores, com certeza. Talvez mesmo um discípulo ou dois, se eu tivesse sorte. Mas Destino seria responsável por todos os principais atores. Mesmo Dennis e Dona Sorte e Carma provavelmente teriam papéis significativos. Não eu. Não Fábio. Eu terei de ficar sentado no banco, simplesmente assistindo, com uma prancheta na mão, enquanto o restante da equipe cuida do negócio. Minha única esperança de contribuir seria se alguns dos atores principais caíssem feridos ou se eu tivesse de atuar durante o finalzinho de um jogo decisivo. Preciso realmente parar de ver tanto futebol.
Imprimo o e-mail de Jerry e o guardo em meu arquivo de "pendências salvas", para depois retornar às sinas para meus humanos recém-nascidos, mas minha mente se mantém à deriva, concentrada no Messias não nascido.
Fico imaginando se ele nascerá em um país do terceiro mundo ou numa nação industrializada.
Fico imaginando se ele nascerá em 25 de dezembro, apenas para manter as coisas mais fáceis.
Fico imaginando se ele dará um jeito de impedir que os estúdios de cinema tenham sinal verde para realizar filmes baseados em séries de tevê. E fico imaginando se ele será ela.
Não está inteiramente fora de questão. Há dois mil anos, ninguém ouviria falar de uma Messias fêmea. E mesmo que não tenha havido grande mudanças, não me surpreenderia nem um pouco se o próximo Messias fosse alguém como Jodie Foster ou Linda Hamilton ou Sigourney Weaver. Alguém que possa chutar bundas por aí e ainda assim projetar toda a compaixão da Madonna.
Isso me faz pensar sobre quem será a mãe do Messias. Afinal de contas, se haverá um Messias, será preciso ter um recipiente para dar a luz a ele. Ou a ela. E isso, por sua vez, me leva a refletir sobre Maria. Não Madalena, que era um pouco provocadora, verdade seja dita, mas sim a Senhora José de Nazaré.
Sinceramente, os sobrenomes daquela época eram ligeiramente pesados. Com certeza, eu não sou consultado sobre a escolha da mãe. Mas, uma vez que alguém terá de dar à luz ao Messias, Destino tem de saber com antecedência a identidade da mãe. Nem mesmo Jerry sabe quem será sua parceira de uma só noite. Ele não sabia quem era Maria senão na noite da concepção. Isso reduz o fator ansiedade em relação ao desempenho. Além do mais, Jerry não é muito cavalheiro. Portanto, dessa forma, não há um namoro meio desajeitado.
Entretanto, mesmo antes de ficar grávida, lembro como Maria podia estar em um mercado ou em uma sinagoga ou em uma circuncisão e todo mundo se iluminava. Homens, mulheres, crianças. Mesmo os fariseus paravam de parecer tão sérios e tentavam puxar conversa. Ela possuía essa aura que levava qualquer pessoa a querer se aproximar dela, vê-la ou sorrir para ela e, assim, esquecer-se de seus próprios problemas. Acho que isso me soa vagamente familiar.
Durante alguns minutos eu permaneço apenas sentado, tentando me convencer de que isso não é possível. De que estou fazendo conexões que não existem. Que estou deixando minha imaginação viajar. Exceto pelo fato de que, quanto mais penso nisso, menos acredito que seja apenas minha imaginação.
Levanto-me de minha mesa e ando até o quarto, onde Sara está em minha cama de sutiã e calcinhas, recostada sobre os travesseiros, assistindo ao desenho South Park e comendo pizza de pepperoni fria.
Ela dá uma mordida na pizza e a engole com um trago de Pepsi, e então nota que estou ali em pé na porta, olhando para ela.
- O que foi? - pergunta.
De alguma forma, não posso imaginar pinturas dela em repouso olhando com essa mesma expressão.
- O que você pensa sobre crianças? - pergunto.
Sara inclina a cabeça como se não tivesse entendido bem a questão, depois faz uma careta e diz: - Elas fedem Engraçado. Foi justamente o que Maria disse. Na televisão, um dos personagens de South Park está sofrendo de um caso de diarréia explosiva e Sara cai na gargalhada.
Eu a observo um pouco mais, depois volto ao escritório e sento-me ao computador, onde procuro alguns arquivos passados, apenas para voltar ao primeiro século, na Galileia, fazendo mais comparações. Quanto mais comparações eu procuro, mais aquilo parece fazer perfeito sentido. O efeito de Sara nos outros humanos. O e-mail de Jerry.
As sugestões de Destino para que eu não me envolvesse com Sara.
O que também explicaria por que Destino não havia dito nada para Jerry. Ela teria de ter contado a ele sobre Sara, sobre como ela é, sobre como é tão importante, e Jerry não pode saber nada sobre ela até que seja chegada a hora.
Essa é justamente a minha sorte. Entre mais de seis bilhões e meio de humanos no planeta, eu me apaixonei pela mulher que está destinada a gerar o salvador da raça humana. Minha namorada. A Virgem Sara.

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