Capítulo 3

668 113 7
                                    


Rafaella estava trêmula com a possibilidade de colocar para fora o almoço que conseguiu engolir na última parada antes de Albuquerque, faltavam apenas poucas horas. Como alguém, qualquer pessoa que fosse, conseguiria sobreviver em condições tão pífias e horríveis, ela nunca saberia. O Oeste, até onde conseguia ver até então, servia apenas para cobras e foras da lei. O que a fez se perguntar o que seu pai queria com uma casa naquelas terras... E por que seu noivo continuava por lá.

Bom, Daniel tinha o banco de seu pai para assumir, fazia sentido até. Ela fechou os olhos e limpou o suor que escorria por sua testa, estava completamente desacostumada com o calor que parecia quase desumano daquele lugar. Talvez fosse pela diligência com janelas fechadas... Só precisava sobreviver por mais algumas horas, e então estaria em sua nova casa.

Nova cidade.

Vida nova.

Era verdade o que diziam sobre a vida no Novo México, descreviam o estado inteiro como um lugar penoso para se viver e sobravam as mais terríveis histórias sobre pistoleiros e índios selvagens - não que conhecesse algum índio que não fosse selvagem. Mas afinal, estavam em 1875.

Ela queria muito que todas as reportagens sobre o Oeste do Novo México fossem mentira, mas não mentiram sobre o maldito clima que parecia quente. Era como estar ao lado de uma fornalha. Ela precisaria rever todos os seus vestidos imediatamente; não havia a menor condição de usar roupas tão pesadas em um lugar que poderia ser comparado ao inferno.

Com o queixo erguido e o rosto virado para a janela da diligência, Rafaella pensou que já havia visto o suficiente da paisagem do Novo México, e do deserto. Parecia que não chegariam nunca, e ela só queria uma cama confortável para dormir. Um lugar confortável para relaxar.

Depois de anos na cidade limpa da Filadélfia, Rafaella conseguia apreciar bem a beleza rústica do Novo México. Os montes que cortavam os céus, os rochedos interessantes demais. Enquanto Filadélfia tinha asas de chá, ela duvidava que Albuquerque fosse ter qualquer coisa parecida. Mas ainda tinha esperanças de ser feliz.

Enquanto o suor escorria por dentro de corpete apertado, ela pensou em como queria um banho bem gelado. Com sais aromatizantes, de preferência os de flores que havia ganhado de sua melhor amiga na escola de freiras. Suspirou com o pensamento. Quase conseguia sentir o corpo livre de qualquer roupa, de qualquer amarra, e apenas banhado e cheiroso. Era quase pecaminoso, e ela estava desesperada.

Quando a diligência parou em um solavanco, Rafaella foi jogada contra a porta do outro lado. Mal teve tempo de se recuperar, quando ouviu os gritos. Parecia um bando.

- Índios! - O condutor gritou.

Ela arregalou os olhos.

- Proteja-se senhorita Kalimann, vamos todos morrer.

Aquilo não parecia nada animador, ela pensou enquanto o desespero corria seu corpo como lava. Encolheu- se no chão, perto do banco e olhou pela janela. Estavam cercados? Ela não conseguia saber. Havia um corpanzil enorme bloqueando sua visão. E o maldito homem estava armado.

- Apaches! - Ela ouviu um dos homens gritarem. Estavam todos do lado de fora e ela só queria saber o que estava acontecendo. - Precisamos proteger a senhorita Kalimann.

Apesar de zonza, Rafaella conseguiu manter os olhos na janela, observando tudo que era possível. Gritos, urros, troar de cascos de cavalos. Soavam como demônios enfurecidos. Ela não conseguia entender nada do que diziam. Eram Apaches? Ela nunca havia visto um apache antes.

Até ver.

De peito nu, cabelos longos ao vento, e montado em um cavalo negro como a noite. Era apenas um? Não. Estavam em bando, é claro. Nenhum apache atacava sozinho, ou era o que ela havia escutado. O homem que deveria estar protegendo-a na janela caiu em um baque silencioso de sangue e poeira. Ela soube que a morte chegaria em questões de instantes.

A regra de ouro (Adaptação GiRafa)Onde histórias criam vida. Descubra agora