Portales, Novo México, Verão de 1875
Era um dia fresco de verão, o sol havia brilhado e esquentado a tarde toda e naquele momento deixava que a atenção fosse caindo sobre a noite, os traços alaranjados riscavam o céu que estava quase cor lilás. A cidade de Portales não era grande, não era chamativa e muito menos convidativa como as várias outras cidades em Novo México. Mas no geral era uma cidade muito calma.
Como uma boa Dama do Leste, Rafaella Kalimann, estava em sua diligência, voltando para casa do pai. Depois de um longo período de estudo e alfabetização, ela estava finalmente formada e pronta para assumir os deveres de casa e de uma esposa. Seu noivo a esperava, também. Daniel "Dani" Caon era um homem adorável, encantador e muito galanteador; Rafaella não teve outra escolha senão ceder aos pedidos dele para que ela fosse sua.
Não que ela se sentisse completamente dele, nunca fora assim. Mas ela sabia que precisava casar, não sabia exatamente o porquê, mas sabia que precisava fazê-lo. Eram as regras e tradições, é claro. E ela não costumava se rebelar contra o sistema, apesar de viver com uma voz em seu interior gritando para que ela fizesse o que realmente queria fazer.
Ser professora.
Esse era o seu sonho, desde que entrara na alfabetização.
Uma pena que nunca poderia fazer isso depois do casamento com Daniel. Ela deveria seguir as regras de uma dama de respeito, lhe dar filhos e organizar a casa junto aos empregados. Era a vida perfeita? Para muitos, sim. Para ela? Não parecia.
Enquanto encarava a janela de sua diligência, ajeitava as luvas sobre os dedos, esticando-as contra sua pele. Estava cansada, exausta depois de algumas horas de viagem, mas chegaria em casa e tudo ficaria bem. Poderia se livrar de todas aquelas anáguas e panos de vestido e ficaria tão confortável quanto era possível. A melhor parte de estar em casa era poder ficar nua. Ninguém sabia, mas ela adorava ficar nua.
O que Rafaella não esperava encontrar, ao chegar à sua casa, era Daniel esperando-a na porta. E ele não parecia nada feliz, muito pelo contrário. Ela desceu da diligência, e ninguém a ajudou com suas bagagens, os empregados ficaram parados no lugar. Atrás de Daniel.
- Bons dias.
- Bons dias, querida. - Daniel respondeu, aproximando-se dela, dando-lhe um beijo casto na bochecha. - Fez boa viagem?
- O que está acontecendo?
- Não tenho boas notícias, creio.
Seu pai estava morto. Sebastião Kalimann, o banqueiro de Portales havia sido morto em uma invasão de índios. Os malditos não lhe deram a misericórdia que ele merecia. Sebastião não havia resistido aos ferimentos, passara dias de cama, e então falecera, implorando por Rafaella. Pedindo para que ela fosse feliz.
E claro que acabaria sendo.
Rafaella arregalou os olhos; a imensidão verde estava marcada por lágrimas, tão forte, que parecia uma esmeralda de verdade. Não caiu ajoelhada ao chão por que Daniel a segurou com firmeza nos braços, mas sentia- se despedaçada por inteira.
- É melhor você ir para Albuquerque comigo. - Daniel disse em algum momento, enquanto a noite começava a cair. - Posso te oferecer proteção lá, uma casa...
- Não somos casados, Dani. Não posso morar com você.
Rafaella ainda estava tentando racionalizar diante da dor que sentia, mas sabia que precisava fazer alguma coisa. Se fosse o caso, partiria o quanto antes pra onde fosse. Não havia funeral para seu pai, ele já estava enterrado muito antes dela chegar. Maldição. Nem uma despedida descente conseguiria.
- Seu pai tem uma casa lá, é mais reservada. Você pode ficar lá até nosso casamento, e então depois morará comigo.
- Meu pai tem uma casa no Oeste?
- Ele me disse, antes de morrer. Queria que você fosse para lá. É sua, Rafaella.
- Não posso simplesmente sair daqui agora.
- Tem razão, está de noite. Amanhã de manhã seria bom.
- Sim. Talvez, sim.
- Então avisarei que você partirá amanhã. Eu vou indo para Albuquerque para preparar tudo e te receber, sim?
- Não achas que um dia é pouco tempo para resolver tudo?
- O que dizes?
- Talvez eu deva ficar mais tempo por aqui...
- Eu já vendi esta casa, Rafaella. Em nome do seu pai. Ele me passou todos os documentos antes de morrer. Não há mais motivos para que fiques aqui. Não mais do que o necessário.
- Compreendo.
Claro que Daniel havia resolvido tudo antes que ela aparecesse, como um bom homem à moda antiga, decidia tudo e avisava depois... Quando avisava. Então a ela só restava apreciar os últimos instantes na única casa que conhecia. As lembranças de seu pai e de sua infância. Ela respirou fundo, controlando as lágrimas. Seria ridículo chorar novamente na frente de Daniel.
- Então eu vou partir para te esperar em Albuquerque.
- E eu irei amanhã?
- De certo que sim, é o melhor.
- Está bem então.
Rafaella ainda não conseguia processar tudo o que estava acontecendo e todas as reviravoltas de sua vida. Daniel lhe deu um beijo no rosto e saiu da casa, deixando-a completamente sozinha em seus pensamentos, e com sua dor. Como superava algo tão terrível quanto à morte de uma pai? Do único pai. Do único parente vivo. Agora não tinha mais família.
Não tinha nada.
O que faria da sua vida? Como sobreviveria? O que Daniel estava propondo fazia um pouco de sentido; iria para a cidade, ficaria reservada até que tudo estivesse pronto para o casamento deles. E casaria com ele. Reconstruiria sua vida e ponto final. Começaria sua vida, de fato. Mas por que não estava tão empolgada? Claro que havia o fato de acabar de descobrir sobre a morte de seu pai, mas...
Ela não estava empolgada com seu casamento.
E deveria estar.
Havia um longo caminho pela frente, eram pelo menos dois dias até chegar a Albuquerque, e ela já estava cansada. Nunca havia ido para o Oeste, e tudo que sabia era que o lugar era selvagem. Marcado por índios e por conflitos. Tudo que ela não gostava nem um pouco; tudo que ela queria distância. E estava indo bem em direção ao fogo.
Ao desconhecido.
Em sua cama do meio da noite, deitou completamente nua, sentido a brisa lamber sua pele. Precisava ser forte. Perder o pai era triste, de fato, mas não iria desistir. Seria forte. Reergue-se-ia e faria de Albuquerque seu lar. Talvez até conseguisse convencer Daniel a lhe deixar dar aulas. E tudo seria perfeito. Seu pai ficaria muito orgulhoso, de onde quer que estivesse.
A vela queimando em sua mesinha de cabeceira deixava seu quarto em um tom alaranjado, ela gostava dele. Odiava o escuro. Tinha pânico. Enquanto se entregava para a noite e os sonhos, descobriu que estava muito mais corajosa enquanto sonhava com uma longa cavalgada em direção a lua cheia.
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A regra de ouro (Adaptação GiRafa)
Hayran KurguO sangue apache era o que corria nas veias de Gizelly Bicalho, junto com muito álcool. A mistura desses a tornavam uma mulher indomável e sem lei alguma. Conhecida nas redondezas pela velocidade de seu revólver, Gizelly era temida até por homens no...