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KAROL

Ruggeo tem motivos sério para odiar o Halloween, em vez de simplesmente “é um feriado sem sentido,
blá-blá-blá”. Talvez algo terrível tenha acontecido com ele há muitas luas numa
noite de 31 de outubro, como ter tomado uma ovada por hooligans quando era
criança. Aaah, ou talvez tenha assistido a Halloween e então passou a ser
atormentado por pesadelos durante semanas, que foi o que aconteceu comigo
quando assisti a meu primeiro e único filme do Michael Myers, aos doze anos.
“Enfim, Sean está esperando por mim lá embaixo, então vou indo.” valu  se
aproxima e me dá um enorme beijo na bochecha. “Divirta-se distribuindo bebidas
com Tracy.”
É, tá bom. Já me arrependi de ter concordado em ajudar lina  com a cervejada
do alojamento. Não estou no menor clima de passar a noite inteira esperando que
universitários bêbados apareçam na Bristol House para descolar bebidas e shots de
gelatina. Na verdade, quanto mais penso nisso, mais fico tentada a pular fora,
sobretudo quando imagino Ruggero  em casa sozinho, fazendo cara feia para o
espelho ou jogando uma bola de tênis contra a parede, como fazem na prisão.
Em vez de continuar em minha busca por uma fantasia que não seja uma
fantasia, saio do quarto, vou até o corredor e bato à porta de lina .
“Já vai!” Ela parece quase um minuto depois, penteando os cabelos crespos
ruivos com uma das mãos e passando pó branco nas bochechas com a outra.
“Oi!”
, exclama. “Feliz Halloween!”
“Feliz Halloween.” Faço uma pausa. “Então, o negócio é seguinte… o quanto
você vai me odiar se eu der bolo na cervejada do alojamento? E, ainda por cima,
pedir seu carro emprestado?”
A decepção inunda seus olhos. “Você não vem? Por quêêêê?”
Merda, realmente espero que ela não comece a chorar. Lina é do tipo de
mulher que berra por qualquer coisa, embora eu honestamente ache que são
lágrimas de crocodilo, porque sempre secam rápido demais.
“Um amigo meu tá tendo uma noite ruim”
, digo, sem jeito. “E precisa de
companhia.”
Ela me lança um olhar desconfiado. “E esse amigo atende pelo nome de Ruggero ?”
Abafo um suspiro. “Por que você acha isso?”
“Porque valu  disse que vocês estão namorando.”
É a cara dela sair fazendo fofoca.
“Nós não estamos namorando, mas, sim, é dele que estou falando”
, admito.
Para minha surpresa, lina  abre um enorme sorriso. “Errr, por que você não
falou desde o começo, sua boba? Claro que vou quebrar essa, se isso significa quevocê vai pegar Ruggero ! Aliás, invejinha branca, hein, amiga, porque… Ai.
Meu. Deus. Se aquele delícia sequer sorrisse para mim, acho que minha calcinha
pegaria fogo.”
Não quero ter que lidar com nem um décimo dessa resposta, então resolvo
ignorá-la por completo. “Tem certeza de que você vai ficar bem?”
“Tenho, vai dar tudo certo.” Ela me dispensa com a mão. “Minha prima que
estuda na Brown está passando uns dias aqui. Vou pedir ajuda pra ela.”
“Eu ouvi isso!” Uma voz feminina grita de dentro do quarto.
“Obrigada por me entender”
, digo com gratidão.
“Sem problemas. Espera um segundo.” lina  desaparece e volta logo depois com
as chaves do carro penduradas no indicador. “Então, não sei o que você pensa
sobre vídeos caseiros de sexo, mas, se tiver uma chance, grave tudinho que fizer
com aquele gostoso hoje.”
“Nem pensar.” Pego as chaves e sorrio para ela. “Divirta-se, amiga.”
De volta ao meu quarto, pego o telefone no sofá da sala e mando uma
mensagem para Ruggero .
Eu: Tá em casa?
Ele: Tô.
Eu: Acabei de miar a cervejada. Posso passar aí?
Ele: Fico feliz q tenha caído em si, gata. Traz logo essa bunda gostosa aqui.

Ruggero


Quando a porta da frente se abre, estou bastante apreensivo, porque meio que
espero que karol  apareça em alguma fantasia ridícula numa tentativa de me
contagiar com o espírito do Halloween e me convencer a ir à festa do alojamento.
Por sorte, é a karol  de sempre que passa a cabeça pela porta da sala de estar e
olha para mim. E isso significa que está linda de morrer, e meu pau logo se
manifesta. O cabelo está preso num rabo de cavalo baixo, com a franja penteada
para um dos lados, e está usando um suéter vermelho folgado e calça de ginástica
preta. E as meias, claro, são rosa-choque.
“Oi.” Ela senta ao meu lado no sofá.
“Oi.” Passo o braço à sua volta e dou um beijo em sua bochecha, o que parece a
coisa mais natural do mundo a se fazer.
Não tenho a menor ideia se sou o único que se sente assim, mas karol  não se
afasta, nem zomba de mim pelo comportamento típico de namorado. Entendo isso
como um sinal promissor.
“E aí? Por que desistiu da festa?”
“Não tava no clima. Fiquei imaginando você aqui chorando sozinho e a pena foi
maior.”
“Não tô chorando, besta.” Aponto para o documentário maçante sobre leite que
está passando na TV. “Mas tô aprendendo sobre pasteurização.”
Ela me encara, embasbacada. “Vocês pagam uma grana para assinar um milhão
de canais e é isso que você escolheu ver?”
“Na verdade eu tava mudando de canais e passei por esse, vi um monte de teta
de vaca e, sabe como é, fiquei excitado e…
“AFFF!”
Caio na gargalhada. “Tô brincando, gata. Na real, as pilhas do controle acabaram
e sou preguiçoso demais para levantar e mudar de canal. Tava assistindo a uma
minissérie fantástica sobre a Guerra Civil antes de as tetas aparecerem.”
“Você realmente curte história, né?”
“É interessante.”

“Algumas partes. Outras, não muito.” Ela deita a cabeça no meu ombro, e eu
brinco, distraído, com uma mecha de cabelo que se soltou do seu penteado.
“Fiquei triste por causa da minha mãe, hoje de manhã”
, confessa.
“É? Por quê?”
“Ela ligou para dizer que talvez eles também não possam sair de Ransom para o
Natal.”
“Ransom?”
, pergunto, sem entender.
“A minha cidade. Ransom, em Indiana.” Uma pitada de rancor transparece em
sua voz. “Também conhecida como ‘amostra grátis do inferno’.”
Meu estado de espírito logo se torna mais sombrio. “Por causa do…?”
“Do estupro?”
, pergunta, com ironia. “Você pode falar a palavra, sabe? Não é
contagiosa.”
“Eu sei.” Engulo em seco. “É só que não gosto de dizer porque torna tudo
mais… real, acho. E não consigo suportar a ideia de que tenha acontecido com
você.”
“Mas aconteceu”
, diz ela, baixinho. “Não dá para fingir que não.”
Ficamos em silêncio por um instante.
“Por que seus pais não podem visitar você?”
, pergunto.
“Dinheiro.” Ela suspira. “Se você tiver se interessado por mim achando que eu
fosse herdeira de alguma coisa, é melhor saber logo que estou na Briar com bolsa
integral e que recebo auxílio financeiro para meus gastos. Minha família tá falida.”
“Pode ir embora.” Aponto a porta. “É sério. Pode ir embora.”
Karol  me mostra a língua. “Engraçadinho.”
“Não ligo pra quanto dinheiro a sua família tem, karol .”
“Disse o milionário.”
Meu peito enrijece. “Não sou milionário… meu pai é. Tem uma diferença.”
“Acho que sim.” Ela dá de ombros. “Mas, então, meus pais estão afundados
numa montanha de dívidas. E…” Ela se interrompe, e um vislumbre de dor
perpassa seus olhos verdes.
“E o quê?”
“É tudo minha culpa”
, admite.
“Duvido muito.”
“Não, é minha culpa sim.” Ela parece triste. “Eles tiveram que hipotecar a casa
uma segunda vez para pagar os advogados. O processo contra Aaron, o cara que…”
“Deveria estar preso”
, termino a frase para ela, porque, honestamente, não posso
ouvi-la dizer a palavra estupro de novo. Simplesmente não posso. Toda vez que
penso no filho da mãe que fez isso, uma raiva incandescente invade meu peito

Era Uma Vez Na Grécia (Terminada)Onde histórias criam vida. Descubra agora