68

256 21 7
                                    


RUGGERO

Uma nuvem negra obscurece um pouco minha felicidade. “E Sebastian ?”
“O que tem ele?”
“Você disse que ia sair com ele”
, respondo, entredentes.
“Na verdade, desmarquei o encontro antes de vir aqui fora.”
As borboletas dentro de mim levantam voo de novo. “Desmarcou?”
Ela assente com a cabeça.
“Então não tá mais toda caidinha por ele?”
Um lampejo de humor brilha em seus olhos. “Tô toda caidinha por você,
Ruggero . Só você.”
E, simples assim, minha ansiedade desaparece e se transforma numa explosão
de alegria pura que me traz um sorriso aos lábios. “Eu sabia que estava.”
Revirando os olhos, ela se aproxima e esfrega o rosto frio contra meu queixo.
“Agora será que a gente pode voltar lá para dentro? Minha bunda tá congelando e
preciso do meu fluf er para me esquentar.”
Estreito os olhos. “O que você falou?”
Ela pisca, fazendo cara de inocente. “Ah, desculpa. Eu falei fluf er?” Um sorriso
ilumina todo o seu rosto. “Quis dizer namorado.”
As palavras mais bonitas que já ouvi na vida.

KAROL


A vida vai bem.
A vida vai maravilhosa, surpreendente e assustadoramente bem.
Estas duas últimas semanas de namoro com Ruggero  têm sido um borrão de
risos, carinhos e sexo apaixonado, misturado com eventos da vida real, como
aulas, estudo, ensaios e jogos de hóquei. Ruggero  e eu construímos uma conexão
que me pegou de surpresa, mas, ainda que valu continue me provocando por
causa da súbita reviravolta da minha parte no que diz respeito ao cara, não me
arrependo da decisão de oficializar as coisas com ele e ver onde elas vão dar. Até
agora, tudo tem funcionado muito bem.
Mas, sabe, o problema da vida é o seguinte: quando ela vai bem assim,
inevitavelmente, algo dá errado.
“Sei que é um inconveniente”
, acrescenta Juliana , minha orientadora de artes
cênicas. “Mas infelizmente não há nada que eu possa fazer a não ser aconselhar
você a falar direto com Ambar  e…”
“De jeito nenhum”
, interrompo, os dedos apertando com força os braços da
cadeira. Encaro a loura bonita do outro lado da mesa e me pergunto como pode
descrever esta bomba atômica como um inconveniente.
E ainda quer que eu fale com  Ambar ?
Nem. Pensar.
Por que diabos eu iria falar com aquela filha da mãe que se deixou passar por
uma lavagem cerebral e que acabou de destruir qualquer chance que eu tinha de
ganhar uma bolsa de estudos?
Ainda estou me recuperando do que juliana me comunicou. Ambar  e Benício  me
abandonaram. Eles têm de fato permissão para me expulsar do dueto para que Benício
possa cantá-lo como um solo.
Que merda.
No entanto, lá no fundo, não estou surpresa. Ruggero  tinha me alertado de que
algo assim poderia acontecer. Eu mesma me preocupei com a possibilidade. Mas
nunca em um milhão de anos imaginei que Benício  fosse fazer isso quatro semanas  antes do festival.
Ou que minha orientadora estaria tão tranquila a respeito.
Cerro os dentes. “Não vou falar com Ambar . É óbvio que ela já se decidiu
sobre isso.”
Ou melhor, que Benício  decidiu por ela, quando a convenceu a conversar com
nossos respectivos orientadores e choramingar que sua música não estava
funcionando como um dueto e que iria retirá-la do festival se não fosse
apresentada como um solo. Benício , é claro, foi rápido em apontar que seria um
absurdo desperdiçar uma música tão boa, e que ele se oferecia gentilmente para me
deixar cantá-la. Foi quando Ambar  insistiu que ela deveria ser cantada por uma
voz masculina.
Vá se foder, Ambar
“Então, o que devo fazer agora?”
, pergunto, com a voz firme. “Não tenho tempo
para aprender uma música nova e trabalhar com outro compositor.”
“Não, não tem”
, concorda juliana
Em geral, aprecio sua abordagem direta, mas hoje tive vontade de lhe dar um
tapa.
“É por isso que, dadas as circunstâncias, o orientador de Benício  e eu concordamos
em afrouxar as regras no seu caso. Você não precisa trabalhar com um aluno de
composição. Nós concordamos — e o chefe do departamento assinou embaixo —
que você pode cantar uma de suas próprias músicas. Sei que você tem um monte
de originais em seu repertório, karol . E, na verdade, acho que é uma grande
oportunidade para você mostrar não só a sua voz, mas suas habilidades de
composição.” Ela faz uma pausa. “No entanto, você só vai disputar uma bolsa de
estudos por performance, já que não é aluna de composição.”
Minha mente continua a girar como um carrossel. Sim, tenho algumas músicas
originais que posso cantar, mas nenhuma delas está nem perto de estar pronta
para uma apresentação.
“Por que Benício  não está sendo penalizado por isso?”
, indago.
“Olha, não posso dizer que aprovo o que Benício  e Ambar  fizeram, mas,
infelizmente, esta é uma das desvantagens de se trabalhar num dueto.” juliana
suspira. “Todos os anos tem pelo menos uma parceria que acaba logo antes do
festival. Lembra de Joanna Maxwell? Que se formou no ano passado?”
A irmã de Beau.
Assinto.
“Bem, o par dela a largou três dias antes do festival dos alunos do último ano”
,
confidencia juliana
Pisco de surpresa. “Jura?”
“Pois é. Resumindo, isso aqui ficou um caos completo por três dias.”
Meu humor se eleva, ainda que apenas um pouco, quando lembro que Joanna
não só ganhou a bolsa, como também chamou a atenção de um agente que mais
tarde lhe conseguiu o tal teste em Nova York.
“Você não precisa de Benício , karol .” A voz de juliana  é firme,
transmitindo muita segurança. “Você é ótima fazendo solos. Esse é o seu ponto
forte.” Ela me lança um olhar severo. “Pelo que me lembro, foi exatamente isso
que aconselhei no início do semestre.”
Sinto a culpa esquentar meu rosto. É. Não posso negar. Ela havia me alertado de
suas preocupações sobre o projeto desde o início, mas deixei Benício  me convencer
de que seríamos imbatíveis juntos.
“Você vai ter tudo o que for necessário para se preparar”
, acrescenta. “Nós
vamos reorganizar o cronograma, para que tenha acesso a uma janela de ensaio
sempre que precisar. E, se quiser um acompanhamento, tem todos os alunos da
orquestra à disposição. Você vai precisar de mais alguma coisa?” Um pequeno
sorriso surge em seus lábios. “Confia em mim, o orientador de Benício  não está nem
um pouco feliz com isso. Então, se houver algo que você queira, me diga agora, e
acho que consigo providenciar pra você.”
Estou prestes a sacudir a cabeça, mas então algo me ocorre. “Na verdade, tem
sim. Quero Jae. Digo, Kim Jae Woo.”
Juliana  franze a testa. “Quem?”
“O violoncelista.” Ergo o queixo com firmeza. “Quero o violoncelista.”

RUGGERO

“Não acredito que ele fez isso!” valu soa lívida de seu lado da mesa, os olhos
azuis em chamas enquanto olha para karol .
Minha namorada está com aquela expressão “estou fazendo muita força para não
demonstrar o quanto estou furiosa agora”
, mas posso sentir as emoções voláteis
que irradiam de seu corpo. Ela alisa a ponta do avental. “Sério mesmo? Porque eu
acreditei rapidinho”
, responde karol . “Aposto que esse era o plano dele o tempo
todo. Me deixar maluca por dois meses e depois me sacanear logo antes do show.”
“Filho da mãe”
, Simon murmura de seu assento ao lado de valu “Alguém
precisa dar uma boa surra nesse menino.”  Simon se volta para mim e Agustín . “Será
que algum de vocês jogadores de hóquei não pode resolver esse problema?

Era Uma Vez Na Grécia (Terminada)Onde histórias criam vida. Descubra agora