Agustín gosta de inventar siglas na esperança de que vamos começar a usá-las como gíria, mas na maioria das vezes
não tenho a menor ideia do que está falando.
Ele ri. “Muito ocupado transando.”
Reviro os olhos e dou uma garfada no arroz.
“Sério, a loura já foi?”
“Já.” Mastigo antes de prosseguir. “Ela conhece as regras.” As regras, no caso,
são: nada de namorar, muito menos passar a noite juntos.
Agustín apoia o antebraço na bancada, os olhos castanhos brilhando ao mudar de
assunto. “Mal posso esperar pelo jogo com o St. Anthony, neste fim de semana.
Ficou sabendo? A suspensão de Braxton acabou.”
Isso fisga minha atenção. “Não brinca. Ele vai jogar no sábado?”
“Certeza que vai.” A expressão no olhar de Agustín é de puro deleite. “Vou adorar
esmagar a cara daquele idiota no rinque.”
Greg Braxton é o lateral esquerda estrelinha do St. Anthony e uma criatura
absolutamente desprezível, com uma índole sádica que faz questão de extravasar
no gelo. Quando nossos times se encontraram num amistoso, mandou um dos
nossos defensores, um aluno do segundo ano, para o pronto-socorro com um
braço quebrado. Daí a suspensão por três partidas, embora, se dependesse de mim,
o psicopata teria sido banido do hóquei universitário para o resto da vida.
“Senta o braço. Eu cubro você”
, garanto.
“Vou cobrar essa promessa, hein? Ah, e na semana que vem vamos pegar o
Eastwood.”
Preciso prestar mais atenção ao nosso calendário. O Eastwood College está em
segundo lugar na nossa chave (atrás da gente, claro), e nossos duelos são sempre
emocionantes.
E, cacete, de repente me dou conta de que preciso gabaritar a segunda chamada
de ética ou não vou poder entrar no rinque contra eles.
“Merda”
, resmungo.
Agustín rouba um pedaço de frango do meu prato. “O que foi?”
Ainda não comentei a situação das minhas notas com os meus colegas de
hóquei, porque tinha esperança de não ir tão mal nas provas, mas agora parece
que não tenho mais como escapar da confissão.
Com um suspiro, conto a Agustín sobre o zero que tirei em ética e o que isso
pode significar para o time.
“Tranca a matéria”
, diz ele, na mesma hora.
“Não posso. Perdi o prazo.”
“Droga.”
“Pois é.”
Trocamos um olhar desanimado, então Agustín desaba no banco ao lado do meu
e passa a mão pelos cabelos. “Então você tem que tomar jeito, cara. Enfia a cara
nos livros e gabarita essa porra. A gente precisa de você, R.”
“Eu sei.” Aperto o garfo em minha mão, frustrado, em seguida deixo-o na
bancada. Perdi a fome. Este é o meu primeiro ano como capitão, o que é uma
honra e tanto, considerando que ainda estou no penúltimo ano. Espera-se de mim
que eu repita os feitos do capitão anterior e conquiste mais um campeonato
nacional para o time, mas como vou fazer isso se não estiver no rinque?
“Estou arrumando umas aulas particulares com outra aluna”
, tranquilizo meu
colega. “A mulher é um gênio.”
“Ótimo. Pague o preço que ela pedir. Posso contribuir se você precisar.”
Não consigo conter um sorriso. “Uau. Você está se oferecendo para abrir mão
do seu tão querido dinheirinho? Deve estar mesmo desesperado para me ver no
time.”
“Pode apostar. Tudo pelo sonho, cara. Eu e você de uniforme do Bruins,
lembra?”
Tenho que admitir que é um baita sonho. É só o que Agustín e eu falamos desde
que viramos colegas de república, no primeiro ano. Não tenho dúvidas de que vou
virar profissional quando me formar. E não tenho dúvidas de que Agustín também
vai ser convocado. O cara é mais rápido que um raio e um completo animal no
gelo.
“Trata de subir essa nota, R.”
, ordena ele. “Ou vou acabar com a sua raça.”
“Quem vai acabar comigo vai ser o treinador.” Forço um sorriso. “Não esquenta.
Vou dar um jeito.”
“Certo.” Agustín rouba mais um pedaço de frango antes de deixar a cozinha.
Engulo o restante da comida e subo novamente para procurar meu celular. Hora
de aumentar a pressão na “karol que não se chama keit”.
“Realmente acho que você devia cantar a última nota em mi maior”
, insiste
Benício . Parece um disco arranhado, repetindo a mesma sugestão absurda toda vez
que terminamos de repassar nosso dueto.
Considero-me uma pacifista. Não acredito em resolver problemas na base da
violência. Para mim, lutas organizadas são uma verdadeira barbárie, e a ideia de
uma guerra me dá náuseas.
No entanto, estou a um passo de dar um murro na cara de Benício .
“A nota é baixa demais para mim”
, digo, com firmeza, mas é impossível
esconder a irritação.
Frustrado, Benicio ajeita o cabelo escuro ondulado com uma das mãos e se vira
para Âmbar , que está inquieta, pouco à vontade, na banqueta do piano. “Você
sabe que tenho razão, Ambar.”
, implora a ela. “Vamos criar muito mais impacto se
terminarmos na mesma nota, em vez de seguir a harmonização.”
“Pelo contrário, o impacto vai ser muito maior com a harmonização”
,
argumento.
Estou prestes a arrancar os cabelos. Sei exatamente o que Benício está tramando.
Quer que a música termine na nota dele. Desde que a gente resolveu se juntar para
o festival de inverno, ele tem aprontado esse tipo de coisa, fazendo o possível para
ressaltar a própria voz e me colocar de escanteio.
Se eu soubesse a diva que o cara é, teria corrido desse dueto como o diabo foge
da cruz, mas o filho da mãe resolveu só mostrar a que veio depois que começamos
os ensaios, e agora é tarde demais para pular fora. Investi muito neste número e,
para falar a verdade, sou completamente apaixonada pela música. Ambar
escreveu uma canção fantástica, e parte de mim não está com a menor vontade de
decepcioná-la. Além do mais, tenho provas concretas de que a faculdade prefere
duetos a solos, porque as últimas quatro apresentações dignas de bolsa foram
duetos. Os juízes ficam loucos com harmonias complexas, o que essa composição
tem de sobra.
“ Ambar?”
, insiste Benício .___________________________
Hoje teremos maratona de era uma vez na Grécia
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Era Uma Vez Na Grécia (Terminada)
FanfictionO destino nos fez inimigos. Eu nos fiz amantes. Em um mundo diferente, seríamos perfeitos um para o outro. Mas não estamos nesse mundo.