RUGGERO
O sangue lateja em meus ouvidos. Ouço karol me chamando, mas não
consigo parar de me mover. É como se estivesse vendo o mundo através de uma
névoa vermelha. Entrei no piloto automático, transformando-me num míssil
teleguiado programado para acertar babacas e viajando em linha reta na direção de
Rob Delaney.
O filho da mãe que ajudou o estuprador de karol a se safar.
“Delaney”
, grito.
Seus ombros se enrijecem. Várias pessoas olham para nós, mas só estou
interessado em uma no momento. Ele se vira, os olhos escuros cintilando
momentaneamente de pânico ao me notar. Ele me viu conversando com karol .
Provavelmente sabe o que ela me contou.
Diz algo para os amigos e se afasta apressado do grupo. Meu queixo vira uma
pedra à medida que se aproxima de mim, cauteloso.
“Quem é você?”
, murmura.
“O namorado de karol.”
Sua expressão de medo é inconfundível, mas ainda continua tentando dar uma
de descontraído. “Ah, é? E o que você quer?”
Inspiro, tentando me acalmar. Não fico calmo. Nem um pouco. “Só queria
conhecer o idiota que foi cúmplice de um estuprador.”
Há um longo momento de silêncio. Em seguida, ele fecha a cara para mim. “Vai
se foder. Você não sabe nada de mim, cara.”
“Sei tudo de você”
, corrijo, o corpo todo tremendo de fúria mal contida. “Sei
que deixou seu amigo drogar minha menina. Sei que ficou de guarda enquanto ele
a levava lá pra cima, para machucá-la. Sei que cometeu perjúrio depois, para
salvar a cara dele. Sei que é um bosta sem consciência.”
“Vai se foder”
, repete, mas sua autoconfiança vacila. Parece aflito agora.
“É sério? Vai se foder? Isso é tudo que tem a dizer? Acho que faz sentido.” Engulo
a bile revestindo minha garganta. “Você é um covarde incapaz de defender uma
garota inocente. Então por que teria coragem para defender a si mesmo?”As acusações amargas desencadeiam sua raiva. “Sai da minha frente, cara. Não
vim aqui para ficar sendo atacado por um jogador idiota. Volta lá pra vagabunda
da sua namorada e…”
Ah, isso não, porra.
Meu punho dispara.
Depois disso, é tudo um borrão.
As pessoas estão gritando. Alguém agarra a parte de trás do meu casaco,
tentando me tirar de cima de Delaney. Minha mão lateja. Sinto gosto de sangue na
boca. É como uma experiência extracorpórea que não posso nem descrever,
porque não estou lá. Estou perdido numa névoa de raiva descontrolada.
“Ruggero .”
Alguém me joga contra uma parede, e, instintivamente, lanço um gancho de
direita. Tenho um vislumbre do vermelho, ouço meu nome de novo, um cortante
e enfático “ Ruggero ” — e minha visão clareia a tempo de ver o sangue escorrendo
do canto da boca de Agustín .
Ah, merda.
“R.” Sua voz é baixa e ameaçadora, mas não há dúvida da preocupação pairando
em seus olhos. “ R., você tem que parar.”
Todo o oxigênio em meus pulmões sai num rojão. Olho ao redor e deparo com
um mar de rostos me fitando, ouço vozes abafadas e sussurros confusos.
Por fim, o treinador aparece, e, de repente, me dou conta da gravidade do que
acabei de fazer.
Duas horas depois, estou diante da porta de karol e quase não tenho forças
para bater.
Não me lembro da última vez que alcancei um nível tão intenso de cansaço. Em
vez de comemorar a vitória com o time, fiquei mais de uma hora na sala do
treinador ouvindo-o gritar comigo sobre brigas dentro da universidade. Que, por
sinal, me rendeu uma suspensão de um jogo. Para ser sincero, estou surpreso que
a punição não tenha sido mais severa, mas, depois de o treinador e alguns outros
funcionários da Briar ouvirem toda a história que eu tinha para contar, decidiram
pegar leve comigo. Karol tinha me dado permissão para explicar seu histórico
com Delaney, porque não queria que eles pensassem que sou algum psicopata que
sai por aí atacando torcedores de hóquei aleatórios sem razão, mas ainda me sinto
um lixo por compartilhar seu trauma com meu treinador.
Suspensão de um jogo. Meu Deus. Merecia muito mais.
Eu me pergunto se meu pai já ficou sabendo da notícia, mas é bem provável que sim. Aposto que tem alguém na Briar em sua folha de pagamento para dar
informações a meu respeito. Por sorte, não estava por perto quando saí da arena,
então fui poupado de ter que lidar com sua ira esta noite.
Mas Agustín estava lá, esperando por mim, e nunca senti tanta vergonha na vida
ao pedir desculpas por ter batido no meu melhor amigo. Karol, no entanto,
também havia me permitido compartilhar a verdade com Agustín , e depois que
expliquei a ele quem era Rob e por que fui atrás do cara, Agustín estava pronto para
ir ele mesmo atrás de Rob e ainda pediu desculpas para mim por ter me tirado de
cima do desgraçado. Foi aí que percebi o quanto amo esse filho da mãe. Agustín
pode ter uma quedinha pela minha namorada, mas ainda é o melhor amigo que já
tive. E nem posso culpá-lo pelo que sente, pois quem não iria querer estar com
alguém tão incrível quanto karol ?
Quando ela abre a porta para mim, estou nervoso pra caramba, mas karol me
surpreende jogando os braços à minha volta na mesma hora. “Você tá bem?”
,
pergunta, com urgência.
“Tô.” Parece que estou falando com a boca cheia de cascalho, então limpo a
garganta antes de continuar. “Desculpa. Estou tão arrependido, linda.”
Ela deita a cabeça para examinar o meu rosto, o arrependimento gravado em
suas feições. “Você não deveria ter ido atrás dele.”
“Eu sei.” Minha garganta se fecha. “Não consegui me controlar. Ficava
imaginando aquele filho da puta sentado no banco das testemunhas, chamando
você de prostituta e dizendo que usava drogas e que seduziu o amigo dele. Fiquei
enjoado.” Balanço a cabeça de leve. “Não, fiquei louco.”
Karol pega a minha mão e me leva para o seu quarto, fechando a porta atrás
de si antes de se juntar a mim na beira da cama. Segura a minha mão de novo e
suspira ao ver o estado dos meus dedos. Estão rachados e cobertos de sangue, e,
embora eu tenha lavado as feridas antes de vir para cá, os pequenos cortes abriram
e agora está escorrendo sangue.
“Você tá muito encrencado?”
, pergunta.
“Não tanto quanto mereço. Suspensão de um jogo, o que não deve afetar o time
tanto assim. Temos um histórico sólido o suficiente para nos dar ao luxo de uma
derrota, se isso acontecer. E ninguém chamou a polícia, porque Delaney se
recusou a prestar queixa. O treinador da Buffalo até tentou fazê-lo mudar de ideia,
mas ele disse para todo mundo que foi ele quem me provocou.”
Suas sobrancelhas se arqueiam, espantadas. “Ele disse isso?”
“Disse.” Deixo escapar um suspiro. “Acho que seria aborrecimento demais ter
que lidar com a polícia. Vai ver só queria voltar para o buraco de onde saiu e
fingir que isso nunca aconteceu. Do mesmo jeito que fingiu que o melhor amigo
não machucou você.” A bile queima em minha garganta. “Como isso pode ser
justo, karol ? Por que não tá mais com raiva? Por que não tá furiosa que o seu
estuprador esteja solto por aí? E que os amigos escrotos dele tenham sido os que o
ajudaram a se safar.”
Ela suspira. “Não é justo. E estou com raiva. Mas… bom, a vida nem sempre é
justa, meu amor. Olha só para o seu pai… ele é tão criminoso quanto Aaron e
também não está na cadeia. Pelo contrário, ainda é reverenciado por todos os fãs
de hóquei do país.”
“É, porque ninguém sabe o que fez comigo e com minha mãe.”
“E você acha que parariam de idolatrá-lo se soubessem? Alguns talvez, mas
garanto que muitos nem iriam se importar, porque ele é um astro e ganhou
muitos jogos, e isso faz dele um herói.” Ela balança a cabeça, triste. “Você tem
ideia de quantos agressores andam por aí impunes? Quantas acusações de estupro
são retiradas por ‘falta de provas’
, ou quantos estupradores se safam porque a
vítima tem medo de contar para alguém? Então, sim, não é justo, mas também
não vale a pena ficar se torturando por causa disso.”
Minha garganta se inunda de pesar. “Você é uma pessoa melhor do que eu.”
“Não é verdade”
, me repreende. “Lembra o que você me disse no dia de Ação de
Graças? Que o seu pai não merece a sua raiva e a sua vingança? Essa é a melhor
vingança, Ruggero . Viver bem e ser feliz é o jeito de superar as merdas que ficaram
no nosso passado. Fui estuprada e foi horrível, mas não vou perder meu tempo
nem minha energia com um cara patético e perturbado que não pôde aceitar ‘não’
como resposta, ou com seus amigos ridículos que acharam que ele merecia ser
recompensado por suas ações.” Ela suspira de novo. “Deixei tudo isso pra trás.
Você não precisava mesmo enfrentar Rob por minha causa.”
“Eu sei.” Lágrimas queimam meus olhos. Merda. A última vez em que chorei
foi no funeral da minha mãe, quando tinha doze anos. Fico envergonhado que
Karol esteja assistindo a isso, mas, ao mesmo tempo, quero que entenda por que
fiz o que fiz, mesmo que isso signifique me despedaçar na frente dela. “Você não
entende? A ideia de alguém ter te machucado acaba comigo.” Pisco depressa,
lutando contra as lágrimas. “Não tinha percebido isso até hoje à noite, mas… Acho
que eu também estava quebrado.”
Karol parece assustada. “O que você quer dizer?”
“Estava quebrado antes de conhecer você”
, murmuro. “Minha vida girava em
torno do hóquei, de ser o melhor, de provar ao meu pai que não precisava dele.
Não me permitia me aproximar de mulheres porque não queria me distrair de
minhas metas. E sabia que se me aproximasse de alguém, a deixaria no instante
em que fosse colocado contra a parede. Não permiti que ninguém entrasse na
minha vida, nem meus amigos mais próximos, e, depois que você chegou, percebi
como eu estava sozinho.”
Deito a cabeça em seu ombro, tão cansado de… de tudo.
Depois de um segundo, ela puxa minha cabeça para seu colo e acaricia meu
cabelo. Eu me enrolo nela, a voz soando abafada contra sua coxa. “Odeio que você
tenha me visto perder a cabeça hoje.” Uma onda de autoaversão corta minha
carne. “Você me disse que eu não era capaz de te machucar, mas você viu o que fiz
hoje à noite. Não fui lá pensando em bater nele, mas o filho da mãe era tão
convencido, e quando ele chamou você de… chamou você de uma coisa feia… eu
pirei.”
“Você perdeu o controle”
, concorda ela. “Mas isso não muda o que sinto por
você ou o que penso de você. Falei que nunca iria me machucar e ainda acredito
nisso.” Sua voz falha. “Meu Deus, Ruggero , se você soubesse o quanto queria ter
furado os olhos daquela criatura hoje…”
“Mas você não fez isso.”
“Porque estava em estado de choque. Não esperava vê-lo ali.” Seus dedos
deslizam sobre meu couro cabeludo numa carícia suave. “Não quero que você se
odeie por isso.”
“Não quero que você me odeie por isso.”
Ela se abaixa e roça os lábios no alto da minha cabeça. “Nunca conseguiria te
odiar.”
Ficamos assim por um tempo, com os dedos dela no meu cabelo e minha
cabeça no seu colo. Por fim, ela me faz deitar na cama, e escorrego para dentro das
cobertas completamente vestido. Estamos abraçados agora, só que é ela quem me
envolve pelas costas, e estou cansado e constrangido demais para me mexer.
Pego no sono com sua mão acariciando meu peito.
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Era Uma Vez Na Grécia (Terminada)
FanfictionO destino nos fez inimigos. Eu nos fiz amantes. Em um mundo diferente, seríamos perfeitos um para o outro. Mas não estamos nesse mundo.