Cap. 45

197 28 34
                                    

Não sei quanto tempo exatamente estamos na estrada, eu chutaria uns 20 minuto, mas parece uma eternidade. Nenhuma palavra, nem ou menos tentativa. Observo pela janela, o orvalho noturno formando gotas que escorrem rapidamente a medida que o carro corre. Revezo minha atenção entre as gotas e Harry, ele tem total atenção no transito. Pela pouca claridade no carro, consigo olha-lo sem ele ao menos perceber.

A melhor parte é quando passamos em baixo de um poste de luz, e todo o rosto de Harry é iluminado; sempre que acontece eu me sinto em um museu vendo uma pintura renascentista em 3D. E então a luz se vai e tudo se escurece novamente, até passarmos outro poste. É um ciclo vicioso. Mas não dá para brincar com a sorte e ficar encarando o tempo inteiro, então, apenas suspiro e olho as gotas participarem da minha competição mental de qual chega em baixo primeiro.

Quando eu estava brava, não importa o que acontecesse, o que ele fizesse, eu sempre lembrava das coisas ruins que aconteceram, sem levar em conta que as coisas ruins foram minoria; agora que não estou tão brava assim, consigo pensar também nas coisas boas e legais.

Um pequeno filme passa na minha cabeça, memórias e memórias. Inconscientemente deixo escapar um sorriso de lado que só percebo a existência algumas memórias mais tarde, o fecho imediatamente. Me sinto confortável para falar o que eu quiser com ele, que agora ele vai me ouvir e conversar comigo. Estou tranquila quanto a isso, porque eu sei que mesmo se ele não conversar, eu não me importo mais.

- Eu não me lembro... - Disparo.

- O que? - Ele não me deixa terminar a frase, é como se estivesse ansioso, só me esperando falar alguma coisas. Harry carrega uma mistura de curiosidade e surpresa na voz.

- A última vez que nos beijamos. - Ele me encara confuso por alguns segundos antes de olhar novamente a estrada. - Quero dizer, antes de hoje. - Coro só de lembrar. - Eu achei que faríamos muito então, não me toquei de quando foi a última vez.

- Hmm. - Harry franze a testa ainda olhando para a rua. Vejo quando ele aperta forte as mãos ao redor do volante, tanto que a ponta do seus dedos ficam esbranquiçadas. Parece pensar, parece... nervoso! Talvez escolhendo as palavras certas, ou apenas sabendo que está prestes a falar de alguma coisa que não está pronto para lembrar. - Foi em uma quinta-feira de manhã, eu estava saindo da sua casa, tinha um compromisso, e você me levou até a porta, eu segurei seu rosto e te beijei. Seus lábios tinham gosto do café; tínhamos tomado algumas horas antes. Nosso último beijo. Eu te abracei e respirei fundo o seu cheiro de creme de morango. Eu me virei para ir embora e você ficou ali na porta me olhando partir. Eu entrei no elevador eu olhei para você. - Harry esboça uma expressão de sorriso genuíno. - Você estava linda, com o cabelo bagunçado e aquele moletom velho e surrado, com um rasgo na manga que você adora. Você me olhou e sorriu, essa também foi a última vez que você sorriu daquele jeito para mim. - Ele não parece falar para mim, sinto como se ele estivesse falando isso para si mesmo. Fico impressionada em como ele conseguiu reter tantos detalhes daquela nossa última tarde juntos. É como se ele tivesse rodado essa cena tantas vezes na cabeça, que acabou gravando inconscientemente todos os detalhes.

Consigo me lembrar desse dia, mas sem tantos detalhes e momentos bons. Consigo me lembrar do telefonema que ele recebeu antes de tudo mudar, de como eu me arrastei atrás dele, e no jantar que eu estava preparando. Fico brava só de pensar no que eu me submeti. Sinto tudo de novo, a mesma raiva, vergonha, o mesmo sentimento de ter feito algo errado quando o problema nunca foi eu, a mesma... insuficiência.

- Depois você me deixou. - Deixo escapar com um tom raivoso mas não muito alto, porém, suficiente para ele escutar. Não tinha intenção de falar isso em voz alta, mas quando dei por mim, as palavras já estavam fora da minha boca.

Sobre nós H.S #REESCREVENDO# Onde histórias criam vida. Descubra agora