Noor
Eu andava de um lado para o outro na sala da minha casa. Ftily estava sentada no sofá com os cotovelos apoiados na perna e as mãos tampando o rosto. Ela chorava baixinho, achando que por ser cega, eu não perceberia. Num impulso, vou até ela e a puxo para um abraço.
- Sei que está prendendo a respiração querida. - aviso enquanto ela aninha a cabeça no meu colo. Ela solta a respiração e um soluço escapa de sua boca.
- É minha culpa. - ela confessa e desaba no choro.
- Oh meu amor, não foi culpa sua. - respondi tentando conforta-la. O farfalhar de asas nos tirou do nosso transe.
Azriel entrou pálido na sala. Seus olhos eram pura escuridão, estava claramente abalado. Levantei em um pulo e caminhei lentamente até ele. Meu parceiro olhava um ponto fixo na parede.
- Querida, vá para o quarto por favor. - pedi a Ftily e ela concordou com a cabeça.
Voltei meu olhar para Azriel, mapeei seu rosto e senti a vergonha vinda do laço de parceria. Sussurrei para minhas luzes avisarem Rhys, para mandar alguém ficar com minha filha.
- Az, olhe para mim. - peço, mas seu olhar ainda está fixo na parede.
Seguro suas mãos e nos atravesso para um campo de batalha. O campo é vazio e abandonado, ninguém pisa aqui há mais de um século. Minhas luzes informam que não tem ninguem por perto.
- Azriel, olhe para mim. - digo tocando seu rosto.
Sei que está com um olhar perdido, independente do que tenha feito com nossa filha, sei o quão destruído ele está por dentro, e palavras talvez não sejem o suficiente. Finalmente sinto o olhar nos meus olhos.
- Grite Az. - sussurro enquanto me afasto.
Me protejo com as minhas luzes e as sombras de Azriel começam a se agitar em uma velocidade que nunca vi antes, Azriel está com os olhos escuros, cobertos por sombras. O que antes eram gavinhas, agora furacões de sombras saem de suas mãos. Ele fica paralisado um tempo enquanto libera o ódio através de seu poder, mas não é suficiente.
"Eu estou aqui com você amor, não vou a lugar nenhum" - digo pelo laço e ele vira o rosto para mim.
"Não posso fazer isso com você aqui, não vai ser bonito" - Az responde com a voz rouca e carregada de culpa. Acaricio seus escudos mentais.
"Quando aceitei ser sua parceira, você me disse que tinha lados seus que não eram bonitos de se ver. Eu amo cada pedaço de luz e escuridão seu Az, sempre vou amar, e não vou a lugar algum." - ao dizer isso, ele vira o olhar para os pés e depois para o campo vazio.
E então, Azriel grita. Meu mundo parece tremer. Suas sombras e escuridão consomem tudo ao seu redor. Apesar disso, ele toma cuidado para que sua escuridão não consuma minha luz, o que é um pouco difícil, sendo que uma entidade habita no sangue do meu parceiro.
Ele destrói tudo durante horas, enquanto grita e chora de ódio. Dor, arrependimento, vergonha, raiva, tristeza, inutilidade, irresponsabilidade. São sentimentos sentidos através do laço. A voz de Azriel fica rouca de tanto gritar, mas não parece o suficiente.
Meu casulo é o único lugar iluminado, e apesar de estar usando seus olhos, não consigo ver nada além de escuridão. As sombras são como lâminas que tentam entrar no meu casulo. Cada vez mais enfraqueço, mas seguro por mim, por ele, pelo meu parceiro. Ele precisa disso, colocar para fora.
Assim como ele foi minha âncora há anos atrás, eu serei a dele, e dessa vez, nenhum de nós chegará perto da morte. Desfaço meu casulo e corro no meio da escuridão, totalmente cega. Pelos olhos de Azriel, consigo o encontrar e percebo que está ajoelhado no chão, tremendo, gritando e chorando.
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Com Amor, Círculo Íntimo
Fantasy*Continuação de "Com Amor, Azriel" com a narração de vários personagens* O pós guerra deixou muitas cicatrizes e traumas no Circulo Íntimo, após alguns deles terem tido a experiência de quase morte. Esse livro continuará suas histórias, contada por...