4.2 | Corrida matinal

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E N Z O

Eu tenho tipo um despertador natural. É quase como se fosse um superpoder.

Todos os dias, seis horas da manhã, eu acordo.

Religiosamente.

Sem exceções.

Eu posso ter tido um dia de trabalho extremamente cansativo, passado horas viajando, e até mesmo ido dormir tarde devido o trabalho extra que na maioria das vezes acabo levando para casa. Não importa como tenha sido o meu dia anterior, eu sempre acordo às seis. O motivo? Não sei bem. Só sei que isso faz parte da minha rotina há uns bons anos.

Eu acordo, visto minha camiseta e minha bermuda, coloco um tênis e saio para correr. Na maioria das vezes, o céu ainda está escuro, prestes a emoldurar um lindo nascer do sol que amo assistir enquanto corro como se minha vida dependesse disso.

Essa é uma das poucas coisas que faço porque realmente gosto. A sensação de ter a frequência cardíaca elevada, a respiração ofegante, meus músculos se contraindo conforme dou tudo de mim para aumentar a velocidade dos passos... É desta forma que eu me sinto vivo de verdade. Respirando ar puro e saindo do modo automático que costumo viver na maior parte do tempo.

Eu amo superar meus limites. Sentir meu corpo esquentar com os movimentos rápidos e calculados, forçar meus pulmões a puxarem o ar pelo nariz, me sentir livre enquanto observo a paisagem ao meu redor.

Aquele tom alaranjado que toma conta do céu quando o sol começa a nascer é definitivamente uma das minhas cores favoritas.

Era bem parecido com a cor dos fios de cabelo dela. Um tom acobreado, formando-se em grandes ondas que terminavam um pouco abaixo do ombro. Bem maiores do que da última vez que os vi.

Admito, não sou um cara que esquece facilmente as coisas. Sempre tive uma memória muito boa. Mas a lembrança daquela garota chegava a me surpreender. Estranhamente, ela ainda permanecia muito vívida em minha memória. Mesmo depois de tantos anos.

Quando recebi por e-mail o currículo dos novos funcionários, transferidos da FL para a nossa sede, eu não precisei de muito tempo para reconhecê-la em sua foto 3×4. Depois de ler seu nome, minha suspeita foi confirmada. Alice. Eu me lembrava do seu nome.

Foi engraçado revê-la na sala de reuniões ontem de manhã, depois do episódio do elevador. Sabia que ela era da Administração e que a encontraria pelos corredores mais cedo ou mais tarde, mas foi diferente de tudo que eu imaginava. E quase cômica a forma como ela fez de tudo para despistar-se.

Quando terminei a reunião, pude observar seu corpo pequeno e muito bem delineado pelo terninho preto saindo rapidamente da sala, quase como se estivesse fugindo. E ela continuou firme em sua tarefa pelo restante do dia, esquivando-se de mim como se sua vida dependesse disso. O que, sinceramente, me fez dar boas risadas.

Isso só confirmava o que eu já imaginava: ela também lembrava de mim.

— Aqui está seu Latte. — Júlio, meu assistente pessoal e motorista, me entrega o copo de café quando me aproximo de seu corpo e meus pés diminuem de velocidade até pararem de vez.

Eu odiava café, mas precisava me manter acordado. Ele me dava a energia necessária, então com leite e bastante açúcar era uma opção bem menos pior. Não tão saudável, eu sei, mas só desta forma o líquido amargo tornava-se bebível para mim.

Júlio era um ótimo assistente e amigo. Um dos únicos que tenho, inclusive. E todos os dias me espera pacientemente chegar da corrida matinal com um copo de café em mãos. Isso não fazia parte do seu trabalho, mas ele não parecia se importar em fazer. E insistia em continuar com este hábito, apesar de eu já ter dito inúmeras vezes que não era realmente necessário.

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