25.2 | Você também pode me chamar de amor

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E N Z O

É nítido que Alice não gostou da minha versão monossilábica e que aceitava doses de cachaça e aguardente sem nem pestanejar.

Mas acho que ela também não gostou muito da minha versão mais parecida com um namorado de verdade.

Logo que seu tio saiu do quarto, alegando estar esperando por nós na sala de jantar, ela me direcionou um olhar quase mortal e se levantou correndo da cama, afastando-se de mim como se eu fosse portador de alguma doença infectocontagiosa ou algo do tipo.

Tudo bem, eu até a entendia. Me aproximei tão subitamente que ela acabou ficando um pouco surpresa, sem saber ao certo como reagir já que tínhamos plateia.

Eu havia percebido que, algumas horas atrás, depois de cair acidentalmente em meu colo, ela acabou ficando um pouco mais retraída. Envergonhada, talvez. E tudo só piorou depois que eu tomei a decisão de me aproximar dela na frente de seu tio — em um teatro que, para ser sincero, não era cem por cento um teatro.

Não posso ser hipócrita. Confesso que, no fundo, aproveitei a situação para beijar os lábios dela. Algo que, honestamente, eu já queria ter feito há muito tempo.

Mas acontece que, no fim das contas, essa não foi uma ideia muito inteligente. O pequeno roçar de lábios que trocamos não foi, nem de longe, o suficiente para matar a minha vontade. Muito pelo contrário. Apenas serviu para instigá-la ainda mais.

Alice saiu do quarto sem dizer nada, me deixando completamente sozinho dentro daquele cubículo, sentado naquela cama minúscula e pensando em como eu precisava urgentemente me controlar. Porque se eu seguisse exatamente os planos que tinha em mente, eu receberia bem mais do que apenas um olhar mortal.

Desci depois de uns cinco minutos de pensamentos conflitantes e me sentei na mesa de jantar, ao lado de Alice, que comia com tanta pressa que quase engasgou-se diversas vezes. Era nítido o quanto ela estava se esforçando para parecer tranquila.

Decidi manter minhas mãos e lábios longe dela por questão de segurança. Não estava afim de receber mais olhares cortantes ou vê-la se afastar, por mais improvável que fosse isso acontecer na frente dos seus familiares.

O jantar foi ótimo. Gorete cozinhava divinamente e eu não tive receio algum em repetir a dose. Terminei extremamente satisfeito, mas precisei negar cerca de duas vezes quando o tio de Alice me ofereceu mais um pouco de suas bebidas. Eu ainda podia sentir o efeito das quatro doses que havia tomado anteriormente.

— Lívia me disse que você e Alice se conheceram no trabalho. — Gorete diz, apoiando os braços no encosto do sofá que fica bem no centro da sua sala de estar.

Assinto e cruzo as pernas, meio desconfortável.

Alice tinha subido para tomar um banho depois do jantar e desde então não apareceu mais. Confesso que ficar a sós com seus familiares era um pouco incômodo. Estava morrendo de medo de abrir a boca e dizer alguma coisa errada que acabasse comprometendo toda a nossa encenação.

— Sim. — pigarreio. — Nós dois nos conhecemos no trabalho, sim.

Zé, sentando na poltrona à minha frente, cruza os braços e deixa o celular de lado, parecendo subitamente interessado na conversa.

— Que interessante. — coça a barba. — Um romance de escritório. Parece até uma história fictícia. Já vi muito disso nas novelas.

Sua esposa, ao seu lado, revira os olhos.

— Não seja bobo, querido. — quando seus olhos encontram os meus, ela continua: — Ele é viciado em novelas mexicanas e acha que tudo acontece exatamente igual na vida real. Apenas desconsidere.

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