22.1 | Jantar em família

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A L I C E

As únicas pessoas que têm uma cópia da chave do meu apartamento são, respectivamente, minha mãe e Mariana. Isso não é novidade alguma.

Minha mãe praticamente me intimou a lhe dar uma cópia quando fechei contrato com a imobiliária.

Já Mariana, sem noção alguma de privacidade, fez uma cópia para si mesma por conta própria. E não, ela nem se preocupou em me avisar. De acordo com a minha melhor amiga, ela precisava de um refúgio. E aparentemente a minha casa foi o destino escolhido.

Minha mãe obviamente tem culpa no cartório. Ela cedeu sua chave temporariamente para que Mariana pudesse fazer sua cópia sem nem questionar. Acho que isso meio que lhe dava a sensação de segurança. Como se o fato da minha melhor amiga ter a chave do meu apartamento diminuísse um pouco a carga de solidão que sinto por morar sozinha — o que não deixa de ser verdade.

Desde que Mariana voltou a morar com sua mãe, há mais ou menos uns dois anos, ela se via constantemente em um ambiente tenso e, na grande maioria das vezes, inabitável.

Quando isso acontecia, ela corria para a minha casa sempre que possível — na esmagadora maioria das vezes logo depois de uma briga fervorosa com sua progenitora, depois dela dizer palavras horríveis e ser homofóbica em, pelo menos, noventa por cento de suas frases.

Eu entendia minha melhor amiga. E, pra ser sincera, não me incomodava nem um pouco com a sua presença. Gostava de ser seu refúgio em momentos difíceis. Eu sabia que se um dia eu precisasse, ela também estaria ali para mim.

Sendo assim, as portas da minha casa estavam sempre abertas para ela. Já não me surpreendia mais com o fato de, às vezes, chegar em casa e encontrá-la sentada no meu sofá, comendo alguma coisa que estava dentro da minha geladeira e com os pés apoiados na mesinha de centro.

Ela tinha passe-livre.

Isso só não acontecia quando, por algum motivo, nós duas brigávamos ou discutíamos. Quando isso acontecia e ela vinha até o meu apartamento, Mariana agia como qualquer pessoa normal agiria, tocando a campainha e batendo na minha porta. Pedindo permissão para entrar e me dando o direito de escolher dizer não.

Isso era raro de acontecer, mas acontecia.

Na quarta-feira, quando cheguei em casa depois de um dia cansativo de trabalho, fui pega completamente de surpresa quando a encontrei atrás do balcão da cozinha, ajudando minha mãe a picar legumes. Apesar de sua presença ser frequente em meu apartamento, eu não estava esperando encontrá-la ali.

— Mãe! Você deixou ela pegar em uma faca? — praticamente gritei, meio desesperada.

Fechei a porta atrás de mim o mais rápido que pude, correndo até a cozinha depois de tirar os sapatos. Minha mãe era meio maníaca com limpeza e odiava quando entrávamos em casa com os sapatos da rua.

Ela riu, dando um beijo em minha testa e virando para mexer em uma panela no fogão. 

— Ela quis ajudar, então eu deixei. Algum problema?

Com os olhos arregalados, assinto.

— Todos os problemas do mundo!

— Por quê?

Bufo.

— Você sabe que a Mariana tem duas mãos esquerdas! Ela é um desastre na cozinha.

Minha melhor amiga aparentemente escolheu não se afetar com minhas palavras. Segurando a maior faca que eu tenho na cozinha, ela parece bastante concentrada em picar cenouras em pedaços quase milimetricamente iguais.

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