~ Capítulo 14 ~

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Estava dentro de minha oca confortável! Oca é um dos nomes dados às casas indígenas, e é uma palavra de origem Tupi.

Estava sentada em cima de minhas pernas, de frente ao espelho que dava para ver minha querida araya, que significa avó, ela era uma senhora de noventa e quatro anos. Porém estava saudável como nunca! Ela penteava as minhas madeixas de cabelo com um pente feito da casca do coco, meus cabelos por sua vez não eram de cor loira e nem de cor preta. Na verdade, era uma mistura dos dois...um pouco...ruivo!

- Jeyse...- falou ela com sua voz um pouco rouca, enquanto sentia seu toque delicado em meus fios. – Como se sente a fazer finalmente dezesseis anos?

- Araya, sinto como seu meu coração fosse explodir! Finalmente poderei explorar floresta a dentro, sozinha! – A mesma rir, mostrando assim suas rugas em baixo de seus olhos.


- Sua mãe deve estar realmente orgulhosa de você.

-Provarei para tuba- que significa pai - que finalmente posso cuidar de mim. Não é à toa que tenho praticado tanto. – Viro de frente para ela – Sempre sonhei com este momento, enquanto observava a floresta lá de cima das árvores. Me imaginava explorando cada galho e descobrindo assim um mundo novo!


- Lembre-se minha querida Jeyse! A floresta...- A interrompo, logo assim completando a frase.

- É nossa providência e amiga. – Rimos juntas- Eu sei disso! Me lembro de todas as histórias que você me contou! Todas elas!

- Tenho mais histórias para lhe contar. Quer descobrir mais alguma?

- Claro! Qual vai ser o tema desta vez?

- Vai uma lenda que ainda não te contei...

- Qual?

- A lenda do guaraná! Vamos fazer sua pintura corporal?

- Sim! – Vou ajeitando minha coluna, enquanto ela pega um pote de barro com tinta preta, feita de carvão, que havia dentro dele. A mesma vai se aproximando mais um pouco de minha face, assim fazendo alguns desenhos com as pontas de seus dedos.

-  O guaraná é um fruto que se assemelha aos olhos humanos. – A nossa pintura não é uma simples pintura qualquer, durante os tempos antigos da tribo, a pintura de rostos era uma forma de expressar a própria identidade da tribo. A pintura facial também incluía os padrões para a identificação de famílias e clãs. Em alguns casos, a pintura facial também simboliza a felicidade de dar à luz uma criança. - Segundo a lenda, surgem como os olhos de um indiozinho que morreu ao ser picado por uma serpente. - Fecho meus olhos para ela poder pintar em cima de minha pálpebra, aproveitava o som de sua voz contando aquela lenda... - Os pais do indiozinho não conseguiam ter filhos, mas depois de pedirem ao deus Tupã, tiveram um menino saudável que era muito querido pela tribo onde vivia. O deus da escuridão ficou invejoso e decidiu matar o menino. Assim, num dia em que ele tinha saído para apanhar frutos na floresta, o deus da escuridão, Jurupari, se transformou em uma serpente e o matou envenenado.

- Se quiser causar medo, araya...saiba que não vai funcionar. – Escuto ela rindo um pouco, assim vou abrindo meus olhos, eu dava um sorriso gentil e ansioso.

- Quer saber o final da história?

- Depois a senhora me conta. Não aguento mais aguardar para falar com meu tuba!

- Tuba ficará orgulhoso de você! - Meu sorriso se abre mais ainda. - Vamos então? – Vamos nos levantando, então nos direcionando para fora da oca.

Vendo assim toda minha tribo em movimento de alegria, vou caminhando um pouco, estava acompanhada de minha avó. Escuto alguns chocalhos vindo da direita, olho e vejo cinco crianças pequenas. Eram os filhos de Kiana. Eles estavam se divertindo, enquanto dançavam, cantando assim cantigas antigas de nossa tribo.

-JEYSE!!!- Olho para frente um pouco espantada e percebo que alguém rapidamente me abraça forte! Vou abaixando meu olhar aos poucos para ver quem realmente era aquela pessoa.

- Mayura? - Ela vai me soltando.

- Ah! Quase borrei sua pintura. Desculpe!

- O que faz aqui? Sua família não estava brigada com a minha tribo?

- Parece que seu pajé fez questão de convidar nossa família para seu aniversário! - O que? O que tuba pensa que está fazendo? - Não estou acreditando, você com dezesseis anos? Já? NOOOSSA! Como o tempo passa, não é? – Ela solta uma gargalhada de porquinho, enquanto dou um sorriso forçado. – Quase não reconheci você. Se não fosse seus olhos parecidos com a fruta jabuticaba, teria passado reto! Afinal...- ela me encara- para onde estão indo?

- Estávamos indo ver meu tuba. Ele vai me liberar hoje para sair pela floresta.

- QUE TUDOOOO!! Nossa ainda me lembro a primeira vez que sai sozinha por aí, foi muito incrível! Vou acompanhar você então! Pode ser?

ATRAVÉS DA ESPERANÇA - Kai Jong-inOnde histórias criam vida. Descubra agora