CAPITULO 28

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Capítulo 28

O silêncio na igreja era quase tão pesado quanto a dor que esmagava o peito de Camila. O nó em sua garganta parecia intransponível, um bloqueio de palavras, de ar, de tudo. As mãos de Bia e Stacy seguravam as suas com firmeza, como âncoras em meio ao furacão que a levava para o abismo. Elas estavam ali. Não diziam nada, mas não precisavam. O aperto quente e forte de seus dedos era um lembrete de que ela não estava sozinha.

Camila piscou, sentindo as lágrimas quentes escorrerem por seu rosto. O padre havia terminado sua homenagem, e agora olhava para ela, chamando-a para prestar sua última despedida.

O desejo de fugir era avassalador. Ficar ali, naquele altar, tendo que dizer adeus ao seu pai, era cruel demais. Injusto demais.

Mas ela não podia recuar. Não podia decepcioná-lo.

Com as pernas trêmulas, levantou-se. O salão estava repleto de rostos conhecidos e desconhecidos, todos voltados para ela. Todos esperando que ela falasse algo. Que encontrasse palavras para descrever um amor que era impossível de ser medido.

Camila respirou fundo, tentando ignorar a sensação sufocante no peito. Pegou o microfone e, por um instante, ficou em silêncio. Como se qualquer palavra que dissesse fosse insuficiente. Como se tentasse capturar algo imenso demais para ser colocado em frases.

— Eu... — sua voz falhou. Ela fechou os olhos, respirando fundo. O ar parecia denso, pesado. Mas então, pensou nele. No olhar caloroso do pai. No sorriso cúmplice que tantas vezes a acalmou. No tom suave da voz dele quando a chamava de "pequena".

Forçou-se a continuar.

— Eu não queria estar aqui hoje... prestando uma homenagem fúnebre ao homem que me deu a vida.

As palavras saíram em meio a um soluço trêmulo, mas Camila não recuou.

— Eu não preparei um discurso, porque meu pai... meu pai não pode ser resumido em palavras. O que ele significa para mim... vai muito além de qualquer coisa que eu possa dizer.

A dor era crua, real, pulsante. Mas ela precisava continuar.

— Quando eu era criança, ele não estava muito presente... Mas nunca o julguei por isso. Pelo contrário. Eu o agradecia. Porque sabia que tudo o que eu tinha era fruto do esforço dele. Ele trabalhava para me dar uma vida melhor. E mesmo do outro lado do oceano, nunca nos afastamos. Ele sempre estava lá.

Camila mordeu o lábio, tentando conter as lágrimas. Mas elas vinham, e vinham sem piedade.

— Quando eu sofri um acidente, há pouco mais de um ano, meu pai largou tudo. Tudo. Ele veio para o Brasil, ficou comigo... E quando eu me recuperei, decidi ir morar com ele. Foi a melhor decisão da minha vida. Porque naquele ano, eu aprendi tanto... Cresci tanto...

Ela abaixou o olhar, sentindo o peito queimar.

— Eu nunca fui boa em expressar o que sinto. Mas tem algo que sempre carrego comigo.

Camila respirou fundo e sorriu, ainda que entre lágrimas.

— Eu tenho um livro... e essa é a minha história favorita. Eu ando com ele para cima e para baixo, e uma vez meu pai me perguntou o porquê. Por que eu lia uma história tão triste tantas vezes?

Ela engoliu em seco.

— Eu disse a ele que, sim, era uma história triste. Mas era linda. Porque, no fim das contas, tudo o que realmente importa é o amor. Hazel não queria um milhão de admiradores, ela só queria um.

Camila olhou para o caixão, como se pudesse atravessar a barreira entre a vida e a morte e encontrar o olhar do pai mais uma vez.

— Eu talvez não seja amada por muitos — sua voz tremeu, mas ela continuou —, mas fui amada profundamente. Não por um Gus... mas por você, pai.

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