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Nós ficamos afastados da fogueira, quase embaixo do pier de madeira velho e frágil que abria caminho da areia até o limite do mar. Coincidentemente, Rafe e Brooke estavam lá, mas não nos reconheceram no primeiro momento. Eles estavam ocupados demais bebendo e discutindo - acho que de brincadeira.

Deitada sobre a canga que improvisei com camisas que encontrei na carroceria da picape, Kiara encarava o céu, suspirando pesadamente. Conhecia a minha melhor amiga o bastante para saber quando estava triste. Ou brava. Ou feliz. Ou magoada. Conhecia Kiara. E ela parecia prestes a chorar.

Comecei a ficar meio desesperado, porque não fazia ideia do que fazer quando via garotas chorando. Por isso inventei as regras.

- Quer me contar o que aconteceu? - perguntei, me inclinando para tocar o seu ombro desnudo com os lábios carinhosamente.

Ela negou.

- Não - respondeu. - Quero me distrair.

Inspirei fortemente, sentindo o cheiro doce da sua pele preencher os meus sentidos. Perguntei a mim mesmo o quão estranho seria se eu simplesmente enfiasse a cara em algum espaço entre seu pescoço e seus cabelos, mas apesar de querer muito, não o fiz.

- Feche os olhos - disse.

Ela me olhou fixamente por alguns segundos.

- Você não vai querer me comer aqui no meio da praia, né?

Kiara falava tão sério que não aguentei. Explodi em risadas até ficar sem fôlego e grudei os lábios na sua bochecha em um beijo demorado.

- Meu Deus, lógico que não, Kiara - respondi, rindo. - Mas... Bem que não é uma ideia tão...

Fui interrompido por uma cotovelada leve que acertou bem na boca do meu estômago.

- Cala a boca - interrompeu, com a voz meio irritadiça, mas não realmente irritada.

Era estranho. Apesar disso, ela me oferecia um semblante mais... Calmo? É, eu acho que sim. Com aqueles olhos escuros e brilhantes, Kiara me observou. Eu estava ao seu lado, quase em cima dela, então foi fácil para seus dedos alcançarem o meu rosto. O indicador percorreu a lateral da minha bochecha, minha mandíbula e, por último, a minha boca. Queria poder dizer que não estava totalmente concentrado na sua boca, mas seria mentira. Estava tão absorto observando os seus traços delicados e lindos que sequer dei importância para o fato de estarmos em público.

- Quero beijar você -sussurrou quando apoiei a testa na sua.

- Eu também.

As palavras penderam na minha língua. Desde que nos beijamos pela primeira vez, na casa do John B, tudo o que eu consigo pensar é em beijar você. O tempo todo.

Ao invés disso, me afastei. Eu conhecia os limites e sabia do perigo de cruzá-los. Mesmo contra a minha vontade, voltei a deitar ao seu lado e apoiei as duas mãos em meu peito. Ela não suspirou ou resmungou. Kiara simplesmente continuou imóvel, na mesma posição, e fechou os olhos.

- Daqui a 3 meses... - limpei a garganta. - Nós vamos estar saindo daqui, dessa cidade. Vamos ir para a faculdade juntos, Kie. Você consegue acreditar?

Ela sorriu.

- Consigo - respondeu. - Passamos a vida inteira planejando isso, lembra?

Era óbvio que eu lembrava. Passamos a maior parte do ensino fundamental matando aula para nos reunirmos no fundo do ginásio, em um armário empoeirado e fedorento. Lá, costumávamos desenhar a planta do nosso apartamento em folhas de papel A4.

- Lembro - sussurrei de volta. - Acha que vamos ser aceitos na Eastern?- perguntei, mas na verdade estava me referindo a mim.

Ela notou, porque antes de balançar a cabeça, seus olhos me procuraram.

- Vamos. Eu tenho certeza.

Eu sabia que tudo ainda era uma grande dúvida. Era impossível ter certeza, mas sorri mesmo assim, porque Kiara estava tão decidida sobre o nosso futuro que eu tinha a sensação de já ter a carta de aprovação nas mãos.

Alguns minutos se passaram. Kiara ergueu o tronco, ficando sentada e eu me juntei a ela. Eu a rodeei com um braço e deixei que descansasse a cabeça em meu ombro. Na nossa frente, um dos pôr-do-sol mais lindos que já vira se desfazia sobre os limites do mar. Tons de laranjas brilhantes e um azul claro se misturavam sobre o espelho d'água das ondas.

Estava prestes a enlaçar os dedos nos seus quando um rosto familiar literalmente invadiu o meu campo de visão.

- Ei - Bettany sorriu, balançando a mão na minha frente.

the deal - jiara!Onde histórias criam vida. Descubra agora