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Minha avó sempre me dizia que nos piores momentos da vida se aprendiam as maiores lições. que eu não aprendia porra nenhuma. Eu só chorava e sentia dor, daquelas que rasgam o peito Só ao meio e sugam tudo o que resta. Minhas mãos tremiam e eu tinha a sensação de que estava congelando, mesmo que o termômetro externo marcasse 30°. Abri a caixa de remédios e atirei tudo na cama. Precisava de alguma coisa que fosse e capaz de amenizar a dor de ter um buraco no peito. Só que os analgésicos estavam vazios. Todos os frascos estavam vazios há meses, porque era como se ninguém morasse naquela maldita casa. Só eu. Meus pais entravam e saíam como se fosse um lugar público. Eles. sequer me olhavam. Nós éramos estranhos que moravam sob o mesmo teto.

Eu não tinha muita certeza dos meus sentimentos, mas sabia que estava deprimida... Completamente deprimida, e talvez eu já devesse ter me acostumado, mas não consegui e adicionava isso como mais um tópico na lista de coisas em que tinha fracassado. Atirei a caixa de remédios contra a parede e o plástico cedeu, quebrando ao meio. Gritei até garganta arder e minha voz falhar, mas, a como sempre, ninguém ouviu. A única diferença era que naquele momento, a casa estava realmente vazia. Desci as escadas e abri a porta da geladeira.

Estava quase vazia, tirando a banana estragada no fundo da gaveta. Devia ter álcool por algum lugar... Qualquer lugar. Revirei a dispensa e achei uma grade velha com cervejas artesanais. Eu abri a primeira garrafa e peguei mais cinco. Bebi todas elas naquela noite, rezando a deus que elas me transportassem para outra realidade.

Eu não queria morrer, não queria passar pelo momento da dor excruciante ou atravessar o desconhecido da vida após a morte. Eu só queria deixar de existir. O nada parecia bem mais reconfortante do que continuar vivendo a minha vida - aquela em que eu estava presa. Pelo menos eu não teria pensamentos confusos, ou dores no peito durante as madrugadas, ou uma infância traumática, ou culpa por ter despedaçado outras pessoas. Fechei os olhos, enxergando o nada e pensando em como me sentia em paz com aquilo. Não haveria uma mãe que me detestasse ou um pai que às vezes esquecia que tinha uma filha. Não haveria escola ou a cobrança excessiva para amadurecer. Não haveria nada. Era reconfortante pensar na minha não-existência. Me apeguei a ela para poder relaxar. E dormi no meio do tapete do meu quarto, com lágrimas secas por todo meu rosto, em cima daquele vestido nojento.

[☁️]

Havia um latejar percorrendo a minha cabeça de um jeito tão intenso que o quarto inteiro parecia estar balançando. Contraindo o rosto, abri os olhos e percebi que eu ainda estava no tapete, onde deitei antes. Meu corpo inteiro estava dolorido. Eu havia adormecido por uma ou duas horas e as batidas não estavam apenas na minha cabeça - também estavam na janela. Levantei trôpega no meio da penumbra e, então, abri. Minha mente estava tão bagunçada e confusa que nem olhei pelo vidro.

JJ entrou antes que eu abrisse a janela por completo e ainda incapaz de processar o que ele estava fazendo ali, eu me vi aninhada em seu peito. Sua mão parecia trêmula quando ele a mergulhou entre os meus cabelos, acomodando a minha cabeça de um jeito protetor e carinhoso. Inspirei profundamente.

- Puta que pariu, princesa - sussurrou, sua voz fraca. – Por que você não atendeu a porra do seu celular?

Era a primeira vez que ele me chamava de princesa desde a tarde na cafeteria. Senti vontade de chorar, mas engoli meus sentimentos. Meu celular... Eu acho que tinha jogado ele no meio da grama do quintal quando li a notícia que viralizou por toda Outer Banks. Era constrangedor. Fiquei calada.

Ele xingou ao se afastar e suas mãos vieram até o meu rosto cuidadosamente. Seus olhos focaram em mim até restar apenas um fio azul de cada lado. Nunca tínhamos tido problemas sobre isso, mas naquele momento foi meio desconfortável.

the deal - jiara!Onde histórias criam vida. Descubra agora