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Kiara e meu pai passaram o resto da noite jogando baralho no sofá da sala. Apesar de todas as noites que passou no cassino falido da cidade, ele não tinha tanta habilidade assim com cartas. Talvez porque, naquela época, estivesse drogado demais para se lembrar. Durante os piores momentos do vício e do processo de reabilitação, eu sempre soube que não estava sozinho. Kiara sofreu junto comigo. Ela sentiu tudo na pele, desde o dia em que meu pai ficou tão louco que não foi capaz de diferenciar um ladrão do próprio filho e me acertou com um soco na boca antes de cair desmaiado. E ainda sentia. Kiara ainda estava comigo quando respirar dentro daquela casa era difícil demais.

- Bati! – comemorou, colocando as cartas em cima da mesa em trios.

- Droga – meu pai colocou as mãos na cabeça. - Desisto, já fui muito humilhado hoje e preciso trabalhar amanhã.

- Aliás, parabéns pela promoção no trabalho, senhor Maybank.

Luke sorriu, orgulhoso de si mesmo.

- Obrigado, Kiara.

- Pelo menos nisso o senhor é bom, porque nas cartas... – ironizou.

Ele riu e atirou um pedaço da borda da pizza nela, bem fraquinho. Eles não eram tão próximos assim o tempo todo, mas era bom sentir o clima leve que a presença de Kiara trazia para nós... Para todos nós. Ela era literalmente um porto de paz.

- Estava falando com JJ sobre reformar a casa – disse. – Dessa vez vamos arrumar a garagem e transformar em um quarto de hóspedes. Vamos precisar de ajuda com a decoração.

A reforma da casa não fazia o menor sentido. Eu não precisava de um quarto maior porque sequer ficaria em casa. Em menos de um mês eu me mudaria pro outro lado do país. Mesmo assim, decidi ficar calado. Luke gostava de construções, reformas e essas coisas. eu

- Vou ficar feliz em ceder um pouco dos meus dons arquitetônicos – brincou.

- Certo – riu. – Boa noite, Kiara. Boa noite, filho.

- Boa noite, pai.

- Boa noite, senhor Maybank.

Ele saiu.

Fiquei pensando sobre a mensagem de Sean. Ele era um ano mais velho que eu, mas ainda parecia uma criança birrenta. Saber que meu pai tinha sido promovido por pura artimanha de um moleque obcecado pela minha melhor amiga me fez assinar sua demissão por ele. Luke dedicou 3 anos da vida, todo santo dia-até nos dias de ação de graça- querer para que finalmente recebesse o reconhecimento que merecia. Mas não recebeu. E o pior era que ele sequer sabia.

- Onde você está indo? – Kiara perguntou.

Parei na cozinha.

- Vou dar petiscos pro Tadashi.

- Posso ir?

- Claro.

Atravessamos o quintal juntos. Quando comecei a assobiar, Tadashi praticamente se jogou para fora da casinha e correu pela grama até nos alcançar. Ele pulou em cima de nós dois e sujou todo o vestido de Kiara com terra, mas ela nem se importou. Fez vozinha de bebê e tudo ao se ajoelhar na grama para receber as lambidas dóceis do meu cachorro. Deve ter sido uma das cenas mais incríveis que vi. Sua gargalhada era espontânea e linda.

- Meu Deus, você está enorme! - exclamou, enfiando as mãos em seus pêlos.

Ele latiu, manhoso.

- É, filho...- eu me agachei. – Foi ela quem quase matou você.

- Ei! – censurou, me dando um soquinho que me fez desequilibrar.

Agarrei em seu punho e, quando caí, trouxe ela junto comigo. Nós rimos juntos, ela deitada em meu peito e minhas mãos enroladas em seus cachos. Esqueci de tudo. Esqueci todas as minhas frustrações e ficamos gargalhando feito dois idiotas. Gostava de como ela me fazia sentir.

- Acho que você esmagou o meu pulmão resmunguei.

- Você nem sabe onde fica seu pulmão - rebateu de brincadeira.

Abri a boca, fingindo estar ofendido e agarrei sua cintura. Dando impulso, mudei as posições e fiquei entre as suas pernas.

- Você está muito brincalhona hoje.

Kiara mordeu os lábios para não rir.

- Desculpa, não consegui evitar.

Me inclinei sobre o seu corpo e dei um beijo bem abaixo do seu seio.

- Fica aqui.

Ela se contorceu. Kiara sentia cócegas. Tinha esquecido desse pequeno detalhe. Levei as mãos até suas costelas e comecei a fazer mais cócegas ainda. Ela riu, se contorcendo, e Tadashi começou a latir e se enfiar entre nós para me afastar dela.

- Socorro, Tadashi! – berrou, como se ele entendesse.

Quando me afastei, meu cachorro rosnou para mim. Fiquei profundamente ofendido.

- Seu vira-lata traidor - xinguei, deitando ele na grama e enchendo-o de beijos.

Tadashi se afastou e correu em círculos pelo quintal. Ficamos uns dez minutos dando petiscos e falando sobre como meu filho de quatro patas tinha crescido rápido.

- Preciso ir para casa – ela disse depois de um momento em silêncio,

- Vou levar você.

Kiara abriu a boca para contrariar, mas fechou logo em seguida. Sabia que nunca venceria essa discussão. Eu podia ser um adolescente meio irresponsável às vezes, mas nunca com ela. Nunca bebi quando sabia que ela precisaria de carona nas festas. Nunca deixei que ficasse sozinha com caras que eu não conhecia. Nunca deixei que voltasse para casa sozinha no meio da noite. E não é como se eu me sentisse um herói por isso, eu só... Cuidava dela.

O caminho até a sua casa foi silencioso. Quando parei na sua porta, ela nem esperou que eu me virasse. Kiara selou nossos lábios rapidamente.

- Um beijo de despedida – respondeu, antes mesmo que eu perguntasse.

- Okay - disse. – Boa noite, Kie.

- Boa noite, J – e pulou do carro.

Kiara correu até a entrada da sua casa e acenou da porta, com um sorriso lindo nos lábios. Pensei na mensagem de Sean. Mesmo naquelas circunstâncias, eu não me afastaria. Ele que se fodesse.

the deal - jiara!Onde histórias criam vida. Descubra agora