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As batidas ecoaram como alfinetes indo direto para a minha cabeça naquela manhã.
Atirado no sofá, eu estava submerso em uma pilha de lençóis e estresse de uma noite mal dormida. Uma não, várias. Primeiro achei que o problema fosse o meu quarto, mas a sala também não era mais tão confortável assim.
Demorei a entender que o ambiente hostil que tirava meu sono era, na verdade, a minha própria mente.

Duas semanas tinham se passado desde a tragédia e, apesar disso, ainda era difícil organizar os meus pensamentos, tão difícil que me causava exaustão física. Meus músculos pareciam ter sido amassados por um rolo compressor. Sentia pontadas agudas de dor por todo o meu corpo e, ainda assim, fechar os olhos e descansar por pelo menos 1 hora parecia um trabalho impossível. Nos últimos 15 dias eu vinha sobrevivendo de pequenos cochilos de, no máximo, 20 minutos. Então, acordava e, perdido, andava pela casa interra como se não estivesse cansado o bastante.

O som seco das batidas na porta ecoaram mais uma vez. Pensei em fingir que estava dormindo, mas Sarah não era idiota.

— Bom dia — disse ela, sem sorriso, quando eu abri a porta.

— E aí? — cumprimentei.

— Como foi a noite?

Meu riso sarcástico seguido do silêncio pareceu ter sido a resposta que ela precisava.

— Não dormiu de novo? — a Cameron continuou.

— 40 minutos, somando os três cochilos - respondi.

— Você precisa de um calmante.

— Vou te dizer o que eu preciso — alfinetei, me afastando para dar espaço. — Vai querer entrar ou vai ficar parada feito uma estátua aí fora?

Sarah revirou os olhos cor de mel e entrou pela porta, segurando um envelope na mão.
Deveria ser o quinto em menos de 10 dias.

— Sua gentileza me comove.

— As pessoas dizem mesmo que eu sou um príncipe — ironizei.

Voltei ao sofá a tempo de salvar o último cigarro da carteira antes que Sarah desse fim nela, como fez com todas as outras ao longo daquela semana. Abri o isqueiro e acendi a piteira mesmo sabendo que ela odiava. Traguei e soprei a fumaça para longe.

- Você vai mesmo fumar comigo aqui dentro? - pergunto, incrédula.

Dei de ombros.

— Você tem asma e eu não tô sabendo?
Sarah explodiu.

— Eu não preciso da porra do seu sarcasmo, JJ
— disparou. — Estou aqui porque me importo, porque me preocupo.

— Ah, você se preocupa? — eu sorri, amargo, batendo a ponta do cigarro no cinzeiro. — Me conta a razão pela qual tu se importa, Sarah. Me prova que tu não 'tá aqui só pra entregar a porra dessa carta e tentar me convencer de tudo o que eu devo ou não fazer.

— Cala a merda da sua boca — rebateu em voz alta. — Se você não acredita que eu me importo e que estive do seu lado desde que toda essa porra começou, guarde isso pra você.

— O que você fez, Sarah? - interrompi.

— O que você queria que eu fizesse? - devolveu com o tom mais sério que eu já a vi falar em toda a minha vida.

Fiquei calado.

— Ela quase morreu, JJ. Ela quis... -
Sarah parou, engolindo em seco.

As palavras me atingiram como facas pontiagudas, rasgando a minha carne e fazendo um eco, um buraco dentro do meu peito.

Traguei mais uma vez.

— Eu sei, porra - disse, antes que ela voltasse a falar.

— Kiara era sua melhor amiga, JJ.

Travei a mandíbula. Já estava de saco cheio.

— Vai embora — ordenei.

— Você sequer está lendo as cartas - continuou, empurrando a pilha intocada de envelopes improvisados que Kiara tinha me mandado diretamente do hospital nas últimas semanas. — Por que diabos está agindo como se tudo isso não fosse nada demais?

- Eu cansei, Sarah -respondi. — É isso que
que tu 'ta querendo ouvir?

Ela riu.

— Você cansou? — insistiu, incrédula. —
Vocês eram melhores amigos desde o primário e agora você cansou? Desde que vocês começaram com toda essa ideia imbecil de acordo, parece que desaprenderam a conversar feito gente normal e agora você acha uma boa ideia virar de costas e negligenciar tudo o que vocês viveram? Não só negligenciar, porra, você tem sido um tremendo filho da puta. Que porra de tweet foi aquele?

— Tu, por acaso, entendeu tudo o que aconteceu? — perguntei, me curvando no sofá.

— Kiara fez a escolha dela, como fez em todas as outras vezes em que eu simplesmente fechei a porra dos meus olhos porque não queria enxergar.

Balancei a cabeça, irado, antes de voltar a falar:

— Kiara me manteve como segunda opção quando sabia que ela era a minha prioridade.
Eu só tive que pressionar um pouco pra que ela corresse de volta pros braços do Sean mais uma vez e, então, toda aquela porra aconteceu.

—"Aquela porra"? — perguntou, fazendo aspas com as mãos. — Aquele imbecil acertou uma garrafa no peito dela, JJ. Kiara se desequilibrou, caiu em uma correnteza e simplesmente decidiu não bater os pés para emergir. Ela está na UTI, sem poder levantar da cama ou usar o celular pra te fazer uma ligação e, ainda assim, escreve cartas quase todos os dias na esperança de que você ao menos dê a ela a oportunidade de se explicar.
E, J...

— E eu não dou — interrompi. — Eu não quero explicações porque isso não é mais problema meu.

Sarah parou, parecendo assombrada com o que eu tinha acabado de dizer. Ela riu, sem humor.

— Quem é você e o que você fez com o JJ?

— Não fode — rebati. — Só vai embora daqui, se isso era tudo o que tu tinha pra falar.

Ficamos em silêncio. Ela, digerindo toda a conversa. Eu, tentando controlar o ardor que subia pelo meu peito e se ramificada da minha nuca até as minhas costas.

— Quando você fala assim, até parece que não se importa mais.

— Deve ser porque eu não me importo - devolvi, tragando o cigarro mais uma vez.

Sarah largou a carta em cima das outras dez, mordendo os lábios em uma linha fina enquanto balançava a cabeça. Em silêncio, ela caminhou de volta até a porta. Eu demorei.
Fiquei coçando os olhos antes de apagar o cigarro e trilhar o mesmo caminho.

- JJ?

Eu a encarei.

— Nós dois sabemos que se você realmente não se importasse, não estaria tão fodido assim.

the deal - jiara!Onde histórias criam vida. Descubra agora