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Minha cabeça latejava, como se alguém tivesse me dado uma pancada com um taco de beisebol, como se houvesse vozes esganiçadas berrando dentro da minha mente. Demorei até perceber que as vozes vinham do corredor e não da dor aguda que descia pelas minhas têmporas. Os músculos de todo meu corpo pareciam ter sido esmagados repetidas vezes por um martelo de carne.

Tive a sensação de que tinha acabado de voltar de uma guerra da qual eu tinha perdido — o que, no fim das contas, não era bem uma mentira.

— John B? — chamei, mesmo sem olhar para o lado.

O relógio marcava 4h15 da manhã. Pelos meus cálculos, ele já deveria estar no quarto há pelo menos duas horas.
Ele não respondeu.

— John B? — repeti, mas quando olhei para a cama ao lado tudo o que vi foi um amontoado de cobertores, travesseiros e roupas.

Apertei os olhos, esfregando-os com meus dedos antes de levantar da cama. Rafe, Pope, John B...
Ninguém estava lá. O céu ainda estava escuro e a única luz que refletia dentro do quarto vinha da fresta por baixo da porta. O som do lado de fora só aumentava.
Não me preocupei em passar na frente do espelho antes de checar o corredor para saber o que diabos estava acontecendo já que o ônibus só sairia às 8 da manhã. Enfiei um par de tênis nos pés e só.

Todas as portas estavam escancaradas e havia ao menos umas 30 pessoas amontoadas no corredor. As cabeças automaticamente voltaram-se para mim. Tive um mau pressentimento imediato. Chequei o meu celular só para descobrir que haviam 5 chamadas perdidas de Sarah e 2 de Cleo.

— Porra — resmunguei.

- JJ - John B chamou antes que eu pudesse retornar às ligações.

Ergui a cabeça para ver que Pope, Brooke e Sarah estavam ao seu redor. Brooke tinha os olhos vermelhos e inchados com lágrimas cobrindo todo seu rosto.
Pope, por sua vez, abraçava o corpo dela, permitindo que chorasse em seu peito. Estudei as expressões de cada um cuidadosamente, mas não fazia ideia do que pensar. O que quer que tivesse acontecido, era grave pra caralho.

— O que aconteceu?

John B deu um passo para perto, colocando as mãos nos meus ombros.

— Eu preciso que você fique calmo.

Empurrei os seus braços, me afastando bruscamente.

— Para de enrolação. Que porra aconteceu?

— JJ, por favor — Sarah insistiu com a voz rouca. - Você precisa ficar calmo.

Aquela porra de conversa estava me deixando tudo menos calmo.

— Eu vou ficar calmo quando me falarem o que tá rolando.

Esperei por uma resposta. Brooke começou a soluçar contra o moletom do Pope, mas ninguém disse uma palavra. Cerrei os punhos, começando a ficar genuinamente puto com o silêncio ensurdecedor.

— Ninguém vai falar porra nenhuma?

— A Kiara saiu do hotel para beber com o Sean essa madrugada — Brooke deixou escapar. — Eles estavam bêbados, JJ. Foram pra clareira — completou.

Eu quis rir ao mesmo tempo que a raiva irrompeu por todo meu corpo. Eu deveria saber que depois de eu ter rasgado a porra dos meus sentimentos na frente dela, Kiara correria de volta aos braços de Sean, como em todas as outras vezes. O ciclo se repetiria enquanto eu estivesse ali. E eu não levava isso numa boa. Eu estava puto. Costumávamos ser melhores amigos antes de toda aquela merda acontecer e, de repente, eu tinha sido rebaixado a um papel secundário, como se eu fosse uma página virada enquanto ela continuava sendo o enredo principal, o capítulo indispensável na minha história, a parte mais vital do meu livro pessoal que, sem ela, parecia desprovida de sentido, apenas um vazio de páginas em branco clamando por significado.

E, talvez, fosse responsabilidade minha ter permanecido quando, em câmera lenta, eu via tudo o que tinha restado de nós desaparecendo, ruindo, até sumir por completo. Ignorei cada sinal e me deixei levar pelo pensamento de que ela jamais faria isso comigo — me reduzir para que outra pessoa coubesse em meu lugar.

Kiara não era mais a mesma.
Eu também não podia ser mais o mesmo.

Estava prestes a voltar para o quarto quando Sarah completou:

— Não sabemos muito bem como aconteceu ou o porquê, mas Sean acertou ela com uma garrafa de vidro. Kiara caiu na correnteza, JJ — eu parei, segurando a maçaneta.

Meu coração despencou dentro do peito.

Senti como se, em milésimos de segundos, a minha carne tivesse sido destroçada, moída. O nó de fúria que me sufocava cedeu, dando espaço ao pânico. Sarah deve ter notado porque senti suas mãos em meu rosto.
Eu vi sua feição preocupada, turva por lágrimas que eu não fazia ideia de onde tinham vindo, mas estavam ali.

— Eles começaram as buscas, J - continuou, como se isso fosse amenizar a confusão, a dor e o desespero que me inundava feito a porra de uma catástrofe natural. — Rafe já está lá. Vamos nos juntar aos voluntários. Nós queríamos te contar primeiro, mas não sabíamos como.

Foi a primeira vez em que eu me perdi no meio dos meus próprios sentimentos. Era como se estivesse à deriva em um mar que outrora foi sereno, agora tomado por uma tempestade intensa sem perspectiva de trégua.

Foi a sensação mais amarga que provei em toda a vida. O desejo fervente de nutrir um ódio pleno, ao mesmo tempo em que a angústia da possibilidade de perdê-la me consumia por dentro - como se ela tivesse sido, em algum momento, verdadeiramente minha.

Engolindo o aperto que parecia prestes a rasgar minha garganta por dentro, me virei para Brooke.

— Que puta amigo esse teu - cuspi.

the deal - jiara!Onde histórias criam vida. Descubra agora