Gérson

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Até hoje lembro da bagunça que tava aqui na vizinhança no dia em Gérson nasceu.
Eu tinha 13 anos e todos estavam esbaforidos pela chegada do bebê.
Como uma criança super educada, com o passar dos anos Gérson chamava todo mundo de tio/tia, inclusive eu.
Ele foi a primeira criança que eu deixei me chamar assim, e eu ainda tinha 15.
Acompanhei o desenvolvimento daquela bolotinha e sempre que ele me olhava, eu dizia "quem é o pretinho mais bonito do Rio De Janeiro?" E ele sorria abertamente.
Os anos se passaram, eu fiz faculdade, me matei de estudar e passei num concurso da Polícia Federal aos 28.
Daí comecei a perceber que tinha perdido muito da minha vida sem, ao menos, ter experimentado coisas pequenas como me apaixonar por alguém.
Mas sempre que eu estava pensando nisso, ele vinha e me abraçava: não pensa nisso não, tia Ju. Você ainda tem o pretinho mais bonito do Rio De Janeiro aqui. - e piscava fazendo graça.
A essa altura, aos 13, Gérson já jogava na base do Fluminense e ia bem lá.
Sempre quando perguntado sobre os treinos, ele dizia: - Eu sou bom. Ainda vou dar muito orgulho pra vocês.
Mal sabia ele que já me dava.
5 anos se passaram, eu tava estabilizada no meu cargo e com uma vida amorosa ainda inexistente.
Gerson estreou pelo profissional e logo se destacou, aos 18 ele já era amado por muita gente e requisitado por muitas outras.
Foi mais ou menos naquela  época que ele parou de me chamar  de tia.
Quando sua mãe perguntou o pq, ele disse que não me considerava mais assim.
Aquilo foi um baque, mas eu nao podia fazer nada.
No dia seguinte aquela conversa horrorosa, ele bateu lá em casa.
- Fala, tia Ju - deu um beijinho na minha bochecha e já foi entrando
- Oi Gérson, achei que não me considerasse mais sua tia - falei
- Sabe o que é? Tu é jovem, e gata... tem nem pq um marmanjo como eu ficar te chamando de tia por aí. - comentou enquanto gesticulava
- Entendi. Mas isso não me incomoda, já tinha me acostumado. - sentei ao seu lado.
- É, mas não vou voltar atrás na minha decisão, enfim, era só isso mesmo que eu vim fazer. - levantou e saiu.
No ano seguinte, meu pretinho foi embora.
No aeroporto, eu e sua família fomos nos despedir.
Ele abraçou todo mundo e veio até mim:
- Juliana, eu vou sentir sua falta - passou os braços por minha cintura e deixou o rosto descansar em meu ombro - não esquece de mim, não tá? - virou um beijinho no meu pescoço - costume que ele tinha adquirido no último ano mesmo com minhas reclamações.
- Eu também vou sentir sua falta, GG. - o abracei mais forte - Você sempre vai ser o pretinho mais bonito do Rio de Janeiro - brinquei
Ele se soltou lentamente de mim e beijou minha testa demoradamente.
Na volta pra casa, todos ficaram me zoando sobre o clima de romance com o mais novo:
- Eu faço muito gosto, viu? - disse Marcão
- Eu também, amor - disse a esposa.
Loucura, eu sei. Parece que ninguém via o absurdo que era pensar em me envolver com aquele menino.

Aquela foi a primeira vez que nos desgrudamos.

Demorou alguns anos e lá estava ele na minha frente novamente. Nos desencontramos nas férias e eu podia dizer que aquela era a primeira vez eu o via em 2 anos.
Era meu aniversário de 34, ele resolveu me fazer uma surpresa.
- Chegou o pretinho mais bonito do Rio de Janeiro - sussurrou no meu ouvido.
Me virei assustada:
- Nossa! Oi pretinho. - o abracei ainda atônita
- feliz aniversário pra minha tia preferida no mundo - ele falou ainda bem próximo do meu rosto em tom de escárnio
- Obrigada melhor sobrinho do mundo - respondi revirando os olhos.
- É  incrível. Cada ano que passa você fica mais linda - disse apertando minha cintura enquanto ainda estávamos imersos em nossa bolha de saudade
- preciso dizer o mesmo sobre você- sussurrei de volta
- Qual é, você diz que eu sou o pretinho mais bonito do Rio há uns 20 anos ...
- E nunca tive tanta razão quanto agora - devolvi
Ele me abraçou mais uma vez bem apertado, deixando todo seu perfume grudado em mim
- Depois eu volto. Vou te deixar curtir teus convidados. A gente ainda tem muito que conversar.
- Tá, né? - beijei sua bochecha

- É impressão minha ou você estava flertando com meu filho? - disse dona Rosa ao se aproximar
- Só impressão sua, você sabe, ele é um menino - respondi mas já sem muita certeza
- Minha filha, o Gérson não é mais criança. Ele tem 21 anos. Não deixa essa besteira de idade impedir vocês - comentou
- Não se preocupe. Nós realmente não temos nada. - assegurei a ela
- Você quem sabe. - saiu dando de ombros

Depois que a festa acabou, eu fui para casa e me assustei com um carrão parado na porta.

- Oi Juliana, a gente pode conversar? - ele estava apoiado na porta do carona
- Oi GG, pode sim. Vamos entrar. Eu vou tomar um banho e você me espera um pouco, ok? - disse passando por ele
- Beleza.

* Banho depois*

- Mas e aí, como foi na Itália? - sentei ao seu lado enquanto penteava o cabelo
- Um saco. Odiei tudo lá. Mas agora acho que  vou voltar pra cá. - comentou enquanto pegava a escova da minha mão - posso? -  apontou pro meu cabelo.
Eu apenas assenti.
- Vai voltar a jogar no Fluminense? - perguntei
- Não, finalmente vou jogar pelo meu time do coração. - pude notar seu sorriso por minha visão periférica
- Ah, GG, parabéns! Eu fico muito feliz por  você- apertei sua coxa em cumprimento já que estava de costas pra ele e não podia abraçá-lo.
- Obrigada. Eu  fico feliz em voltar pra casa. - continuou a escovar meu cabelo
O movimento tava tão bom que, sem querer, soltei um gemido
- Aí não, né Juliana? - ele resmungou
- Que foi? Desculpa. É que eu senti falta do seu cafuné - virei pra ele sorrindo
- E você acha que eu não senti falta? Putz, mulher - segurou minha cintura e, com a proximidade, vi sua íris escura dilatar
Ele se aproximou ainda mais, se é que isso é possível e tomou meus lábios nos seus. Eu nunca tinha sentido nada nem perto daquilo. Era uma sensação de pertencimento.
Eu podia ir onde quisesse, ser  quem quisesse, mas era ali, no abraço do meu  pretinho que eu estava em casa.
Quando o ar  nos faltou, precisamos parar
- Oque você tá fazendo? - sussurrei
- Matando a saudade - devolveu no mesmo tom
- Acho que isso não é certo - falei tentando desviar meus olhos dos seus, enquanto tentava controlar minha respiração
- Por quê? - me puxou ainda mais pra si
- Você sabe, sou 13 anos mais velha, GG - bufei
E ele me soltou enquanto jogava um sorriso ríspido.
- Sabe o que é engraçado, Juliana? Há 10 anos, com certeza, esse argumento me convenceria. O quê que tu, fazendo mestrado aos 24, ia querer com uma criança como eu, né? Mas agora não, tudo bem você não querer nada comigo. Mas, não usa esse negócio de idade. É mais fácil dizer que não tá afim, que me acha criança demais ou que, sei lá, tá apaixonada por algum colega delegado que deve ter o dobro da minha idade. Eu sou adulto, Juliana. Você acreditando nisso ou não. - comentou, virando-se para frente no sofá e apoiando os cotovelos nos joelhos.
- Eu  conheci alguém. - sussurrei - o nome dele é Henrique, tem a minha idade e, sim, é delegado como eu. - mostrei a foto pra ele do moreno no meu Whatsapp
Ele, com olhos tristes,  olhou pro meu celular.
- Ele parece uma cópia velha  de mim - sorriu sem humor
- É, ele não gosta de futebol, nem de churrasco. Acha que a melhor música do mundo é clássica e, odeia terminantemente, tatuagens.  Acho que vocês não são nem um pouco parecidos além da aparência - sorri também sem humor
- Pelo  visto, vocês também não se parecem - ele cuspiu sem emoção
- De todas essas coisas que eu gosto e você listou, a única que eu conheci  por conta própria foram as tatuagens, de  resto, foi voce quem me ensinou tudo que eu sei sobre música, comida e futebol -observou
- É, você  tem razão. Mas ele tem minha  idade, GG, vai ser melhor pra nós - tentei argumentar
- Pra nós quem, Juliana? Pra nós quem? - me olhou no fundo dos olhos
- Eu  não sei - admiti
- Só espero que quando perceber que tá errada não seja tarde demais.  Não vou esperar pra sempre. - ele se levantou pra ir embora
- Me esperar pra sempre? Ah, por favor, Gérson, não é como se você realmente estivesse envolvido, né? - perguntei apreensiva
- o que você acha? Juliana, eu parei de te chamar de tia há 5 anos, desde que era inadmissível gostar romanticamente de uma tia. Eu sonhei com você por tantas noites na Itália, eu até escrevi um diário sobre você. E queimei, é claro. É óbvio que eu sou estupidamente apaixonado por você. E, também tá na cara que não sente o mesmo, mas eu preciso ser honesto comigo mesmo. Pra sair dessa casa e seguir minha vida, te esquecer. É isso. Eu gosto de tu. Foi isso que eu vim aqui te dizer. - abaixou pra beijar minha testa e foi saindo.
Peguei no seu braço, ele parou e o abracei
- Me desculpa. Eu só passei minha vida inteira achando que isso era um absurdo. Eu não consigo desconstruir  isso tão rápido - confessei
- Não precisa se desculpar. A vida não foi feita pra ser recíproca mesmo. - acariciou minha nuca e se foi.





Saudades do Gérson, sim ou claro?
Enfim, hasta la vista.
Beijos da Lu.

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