De Arrascaeta

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Lia e Giorgian são amigos há alguns meses desde que ela junto de outros torcedores ganhou a oportunidade de visitar o ninho do urubu.
Depois de uns risos e uma visita à casa da menina, ela já estava toda caidinha pelo jogador que, em contrapartida, estava com os quatro pneus arreados pela fútil irmã da moça. Mariana só queria um marido rico e ter o luxo de uma wag. Viu no uruguaio essa oportunidade e investiu. Em poucas semanas eles já estavam juntos e inclusive pensando nos nomes dos filhos - que a mulher só queria para assegurar a fortuna do jogador. Lia, em paralelo à isso estava profundamente triste, o contato com o amigo tinha diminuído e de quebra, ela conhecia a irmã mais velha como a palma da sua mão. Até hoje se lembrava de quando chegou o momento de escolherem o que fazer da vida. Enquanto a mais nova escolhera cursar nutrição e se especializara em nutrição esportiva, a mais velha disse que tinha outros objetivos e nunca se interessou em trabalhar ou algo assim, o que a fazia dormir de favor na casa da irmã mais nova - pelo menos era isso que acontecia até ela ter se mudado para a casa do jogador.
Tudo ia bem para o casal - pelo menos era o que o atleta pensava. Do outro lado da história, Lia passava boas horas de seu dia com Daniel, o melhor amigo uruguaio do jogador, que, com o passar do tempo, também tinha se tornado seu melhor amigo.
Daniel apareceu na vida de Lia no jantar de noivado dos pombinhos e enquanto todos foram parabenizar o casal, ele se dirigiu à mulher na varanda parecendo perdida em pensamentos.
Ao ver o sorriso sincero do uruguaio, a menina conversou com ele, e daí em diante, eram comuns as longas conversas entre os dois. Eram longas a ponto dos dois perderem a hora e, por isso, Daniel começou a chamar Lia de Flor de lótus... um apelido carinhoso para alguém que lhe fazia perder a noção do tempo, segundo ele.
Foi ele também quem entrou com ela no casamento, não só porque insistiu para ser seu par, quanto para fazê-la rir enquanto via o cara por quem era apaixonada casando com sua irmã.
O loiro vivia na ponte aérea entre Montevideo e o RJ, dizia ele que morava em lugar nenhum.
Lia lembrava de todas essas coisas com grossas lágrimas enquanto estava fazendo a ponte aérea tão conhecida pelo amigo. A notícia que recebera naquela tarde era aterradora.
Dani, como ela gostava de chamar, estava indo mais uma vez para o aeroporto rumo ao Rio quando um caminhão descontrolado bateu em cheio no carro que dirigia. Tudo que sobrou foram pedaços de metal retorcido por todo lugar e um Daniel magicamente nada arranhado ou machucado, mas com uma coluna estraçalhada... pescoço quebrado.
Lia sequer podia acreditar. Queria gritar e ao mesmo tempo sabia que só podia ser consolada pelo abraço que não existia mais.
Lembrou, nesse instante, da última vez em que se viram. O uruguaio sorriu, beijou sua testa, bagunçou seu cabelo como fazia costumeiramente, lhe entregou o óculos e o cachecol vermelho que usava, ambos eram seus favoritos, ela sabia disso porque sempre o ouvia dizer que amava mais aquelas peças do que muita gente.
Era a essas peças que Lia agora se segurava para não desabar ali mesmo dentro do avião.
O resto da viagem foi um borrão. Chegar no Uruguai. Ir até o funeral de sua estrela. Encontrar Arrascaeta sozinho. Abraçá-lo. Chorar até dormir. Jogar uma flor azul no caixão na hora do enterro. Chorar mais. Abraçar os pais do amigo. Encontrar Arrascaeta de novo. Garantir que ficaria tudo bem. Ir embora. Chorar mais ainda no avião. Chegar ao Rio. Ir pra casa. Chorar. Chorar. Chorar. Um dia. Uma semana. Um mês. Era tudo um borrão.
Naquele dia em específico fazia um mês desde que Dani havia partido.
Ouviu sua campainha e se arrastou até lá. Era um Daniel na porta. Mas não quem ela queria que estivesse ali.
- Oi, Arrascaeta. Entra.
O uruguaio não estava menos abatido.
- Por que você não me falou, Lia? - ele foi logo cuspindo.
- Do que você tá falando?
- Ah, agora vai dizer que não sabia. - ele devolveu fazendo gestos exagerados, ainda que parecesse mais triste que com raiva.
- Eu vou repetir. Do. Que. Você. Está. Falando? - pausadamente falou.
- Da sua irmã me traindo, Lia. Eu voltei do uruguai naquele dia, ela disse que não podia ir porque tinha compromissos com as amigas, eu nem insisti, só precisava estar lá pra me despedir - sua voz ficou esganiçada como se tivesse prendendo o choro - aí eu voltei pra casa e lá estava ela com outro na nossa cama. Eu só decidi sair de lá. Ela disse que era melhor não te procurar porque você sabia de tudo e ainda ria pelas minhas costas. Então eu realmente não procurei mas eu preciso saber por que você fez isso. Por que? - seus olhos estavam marejados enquanto ele se sentia duplamente traído e triplamente só, já fazia mais de 15 anos que ele não sabia o que era enfrentar problemas sem sua dupla dinâmica. Ele estava perdido.
- Você acreditou na mulher que te traiu? Eu não sabia de nada. Você bem sabe que nós nunca nos demos bem. Faz mais de 6 meses que eu não falo com ela. E eu tava no Uruguai com você, Giorgian. Sério mesmo que você acreditou nela?
- Eu não sei - chorou, enquanto passava as mãos pelo cabelo curto e esbranquiçado - Eu... só... não sei... tá tudo tão difícil. Eu não sei em quem acreditar, eu não sei o que pensar. Me ajuda, Lia - olhou para a mulher em sua frente com o olhar perdido em um rio de lágrimas que ele não fazia questão de enxugar.
Ela se aproximou e o abraçou. Ambos choraram ali. Não importava mais Mariana, sua futilidade e traição. Só importava a falta que fazia um terceiro par de braços ali naquele momento. Só importava a falta que fazia o som da risada e o sotaque engraçado do melhor amigo dos dois. Faltava Daniel para dizer para Giorgian que ele estava sendo um idiota por desconfiar de Lia. Faltava Daniel para dizer à Lia que tudo que o atleta precisava naquele momento era de atenção.
O choro dos dois se tornou ainda mais compulsivo ao passo que se apertavam mais um ao outro. Como se quisessem preencher o vazio que ambos estavam sentindo.
15 minutos... meia hora... 1 hora talvez... quem se importa com tempo cronológico quando Daniel não está?
Giorgian lembrava de quando se conheceram.
O jogador odiava seu segundo nome. Daniel achava que era implicância consigo. Eles viviam de picuinha na escola. Até que um dia, Giorgian viu Daniel sendo cercado por um grupinho que provavelmente ia bater nele. Sem pensar muito, foi socorrer o arquirrival de mesmo nome e daí eles não se separaram mais. É importante dizer que eles apanharam muito naquele dia. Perderam a briga. Mas ganharam um ao outro. E daí pra frente, o amigo era a única pessoa no planeta que tinha o direito de lhe chamar pelo segundo nome. Eram Dani e Dani... ainda que só entre si. Era injusto, pensava, perder o amigo sem poder ter lhe abraçado uma última vez.
A mulher, no abraço, também perdida em seus próprios pensamentos, só conseguia sentir saudade de tudo nele. Até de ser chamada de Flor de lótus. Apelido que ela achava brega. Mas que ficava um tanto charmoso no sotaque do gringo.
Depois de muito... não se sabe ao certo quanto... Eles se separaram. Pareciam mais calmos. Arrascaeta pediu desculpas pelas acusações. Lia disse que estava tudo bem. Ele foi ao banheiro lavar o rosto. Ela também. Ao terminar de fazê-lo, ouviu a campainha. Para sua surpresa, era Mariana quem estava na porta.
Num salto 15 parecia nem ter se importado muito com todo o caos que o casamento dela tinha se tornado, até que acabou.
- Oi irmãzinha. - desdenhou
- Oi Mariana. Não é um bom momento. O que você quer? - encostou-se na porta aberta.
- Você já deve estar sabendo que Giorgian e eu nos separamos. Vim aqui só pra te lembrar que ainda assim você não tem chances. Dessa vez você não vai ganhar. - olhou suas unhas em desdém.
- A vida não é uma competição, Mariana. E o Arrascaeta não é um prêmio.
- É claro que é. Você sempre teve tudo. Mas agora não. Ele não.
- Do que você tá falando?
- De tudo. Eu era muito feliz sendo a única filha. Aí você chegou. Todas as atenções eram pra você. Aí você cresceu. Foi pra faculdade e todo mundo te chama de doutora pra cima e pra baixo... Você é amiga daquelas idiotas falsas da ala das esposas só porque diz o que elas querem ouvir. É falsa que nem elas. Você é querida por aqueles horrorosos do time porque diz gostar de futebol. Até pro Uruguai você foi atrás do meu marido.
- Mariana, você é louca. Primeiro - enumerou com os dedos - Eu nunca quis ser o centro das atenções. Eu era pequena e precisava de ajuda. Segundo, você teve tanta oportunidade de estudar quanto eu, mas você não quis. Terceiro, não fala assim das meninas. Você que é mal educada e disse pra Bruna que ela tava velha pra ser mãe, disse pra Marília que ela tava gorda no puerpério quando todos nós sabemos o quanto as gravidezes da Mari foram difíceis. Quarto, os meninos não gostam de você porque você é inconveniente. Você disse pro Ev que o Arrasca é melhor que ele. Você chamou o Gabriel de Gabi-sem-gol. Você disse que era melhor o BH ter ficado cego. Você percebe como é louca? Quinto, eu fui ao Uruguai porque eu PERDI O DANIEL, não atrás do seu marido. E último - foi interrompida por uma voz atrás de si
- eu não sou mais seu marido. Passar bem, Mariana.
O jogador pegou delicadamente o braço da irmã mais nova e fechou a porta na cara da mais velha que parecia pela primeira vez abalada ao perceber que ele estava ali.
- Justo hoje - Lia resmungou.
O resto da tarde eles assistiram filmes e viram fotos e vídeos do amigo de quem estavam com saudade. Dessa vez, sem chorar. Parece que a companhia um do outro fazia eles se sentirem menos sozinhos.



Muitos meses se passaram e os dois novamente se reaproximaram. Todo dia 15 eles tinham que se reunir pra assistir filmes e lembrar do amigo. Era quase sagrado.
Com o passar do tempo, Giorgian percebeu que andava sentindo coisas estranhas quando estava próximo da ex-cunhada. Coração acelerava, seu estômago ficava gelado e ele tinha uma vontade cada vez maior de experimentar o gosto da boca da mulher.
Lia não havia 100% matado sentimento dentro de si. E o uruguaio a visitando dia sim e dia também, não estava ajudando. Ela sabia que queria ele. Mas sabia também que ele poderia se sentir um prêmio e ela estava bem longe de querer objetificá-lo. Mais uma vez. Como se faltasse um Daniel ali para jogar a verdade na cara dos dois. O jogador e a nutricionista trocavam olhares e carinhos cada vez mais íntimos. Mas ambos tentavam se convencer que o outro nada queria consigo.
Até que o inevitável aconteceu. Quando fez um ano daquele trágico acidente, ambos resolveram viajar para o Uruguai. Ao chegar lá, visitaram a família de Daniel. E ao lhes verem juntos, Almerinda - mãe do amigo - disse:
- Até que enfim vocês estão juntos, meus filhos. Dani sempre dizia que só um cego não percebia que vocês foram feitos um para o outro. - e sorriu para eles.
Parece que aquela era a confirmação que estavam esperando.
Nem se quer tiveram interesse em desmentir sua possível relação. Apenas sorriram e se despediram.
Quando saíram da casa, o jogador pegou no braço da mulher, ao que ela virou para si e este por sua vez a beijou.
Ela correspondeu e ao fim do beijo, ambos sorriram. Ao fim, olharam para cima, como se o amigo estivesse ali e agradeceram pelo empurrãozinho.

Mais meses se passaram até que decidiram que era a hora de se apresentarem para a família como namorados.
Os pais de Lia os receberam de modo muito afetuoso.
Na hora do jantar. Seu Elias, muito bem humorado como sempre, soltou:
- Amor, eu acho que no fim ele gosta é da gente.
- Como assim, amor? - respondeu Carolina, enquanto o casal apenas prestava atenção.
- É que muda a mulher mas não muda os sogros. Acho que somos bons sogros. Mas já adianto que meu estoque de filhas acabou. - e riu
Lia riu alto e falou: - Paaaaaai - num tom de repreensão.
Giorgian também riu e disse olhando para a mulher ao seu lado:
- Fica tranquilo, sogro, dessa vez eu estou exatamente com quem deveria estar.









Faces_Lia demorou mas saiu. Espero que goste.
Beijos da Lu💜

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