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Bento

Sempre pensei em Gabriela única e exclusivamente no presente. Prometi a mim mesmo que ela jamais seria passado. Naquela tarde ensolarada de setembro quando nós nos envolvemos pela primeira vez eu jurei nunca mais soltar a mão dela. Desde o primeiro dia, o primeiro encontro com a irmã mais velha de meu companheiro de time, quando eu bati o olho nela tive a certeza imediata de que ela seria minha mulher. E seria para o resto de nossas vidas.
Amar Gabriela parece ser a única coisa para a qual fui feito. Deste lado do trovão, provavelmente não há nada tão magnânimo quanto sua pele de chocolate meio amargo e seus volumosos cabelos que simulam um mar revolto. Tenho a leve sensação de que seus olhos cor de âmbar seriam capazes de fazer chover.

Mas infelizmente as coisas nem sempre seguem o nosso plano. Gabriela que nunca seria passado já o é há 3 meses. Eu poderia tentar explicar o que aconteceu, mas a explicação mais simples é que a gente se desencontrou. Ela foi promovida, eu ganhei destaque aqui no Athletico e as viagens impossibilitaram a gente de continuar.
Eu estava resignado quanto a isso, mas daqui 20 minutos Abner vai casar e sua irmã será meu par na entrada dos padrinhos, ou seja, ficaremos a cerimônia inteira juntos. Eu só queria cavar um buraco e nunca mais sair de lá. Ou melhor, queria correr, me jogar nos braços dela e nunca mais precisar imaginar minha vida sem seus cabelos espalhados no travesseiro do quarto de hóspedes ou mesmo sem seu cheiro nas minhas camisas.
A quem eu quero enganar? Sou muito melhor sendo o Bento da Gabriela do que o Bento do Athletico.

Estava me preparando quando recebi uma mensagem e Carina (a noiva) dizendo que Abner queria me ver antes da cerimônia. Saí apressado até meu companheiro, mas antes de passar pela porta ouvi aquela voz que me fez mergulhar num misto de saudade e euforia.
- Neneco, fala sério, não posso ficar junto com o Cannobio ou com o Terans? Tenho certeza que uma das meninas não se importariam de ficar com ele - ela usava seu tom pidão que sempre dobrava o irmão
- Meu amor, você sabe que eu nunca te digo não, mas Carina disse que se eu trocasse vocês de par ela não casaria comigo. Você quer seu irmão triste e abandonado no altar? - o irmão argumentou com o mesmo drama característico dele.

- Tá bom, eu tolero. - bufou
- Me chamou, Abner? - entrei como se não tivesse ouvido a conversa
- Sim, precisava te entregar a flor da lapela que a minha digníssima esqueceu - pegou uma espécie pequena de copo de leite que estava dentro de uma caixinha
- Obrigado, cara! Sabia que tava faltando alguma coisa. - falei ainda sem me dirigir a ela que estava parada estática à minha esquerda
- Oi Bento - ela finalmente disse
- Boa tarde, Gabi, como está? - me dirigi a ela
- Bem... já vou indo. - saiu apressada e eu fiquei olhando ela ir
- Por que vocês ficam fazendo doce se tá mais que na cara que ainda se gostam?
- As vezes só o sentimento não é suficiente, cara. Gabriela é a mulher da minha vida, disso eu não duvido, mas tudo conspira contra. - bufei batendo a mão na testa
- Cara, só conspira contra se tu deixar. Corre atrás, se é isso que tu quer. Você sabe que eu amo vocês. Odeio ver os dois nesse sofrimento desnecessário. E Carina fica um porre vendo isso também.
- Eu não sei o que fazer... - a cerimonialista chega chamando o noivo e assim aquela conversa acabou.

Saí em direção aos outros padrinhos e lembrei que, quando o nosso lance terminou, Carina me disse que se quisesse trocar de par eu podia fazê-lo e que inclusive a cerimonialista já estava a par disso. Não tinha a intenção de fazer isso, mas qual é, eu não ia entrar na igreja com ela depois do que ouvi. Fui até a cerimonialista e indiquei a troca. Ia entrar com Mirela, enquanto Gabriela entraria com meu parceiro Cittadini.

Quando ela me viu chegar na fila, imediatamente se virou para me dar o braço, mas eu passei direto até Mirela que estava a sua frente, enquanto Leo chegava até ela com um sorriso simpático. Ela tocou nas minhas costas e eu virei para olhá-la. Ela me interrogou sem dizer uma palavra e eu respondi firme mas em um sussurro:

- Eu quero que tu me ame, Gabriela. Não que me tolere. - a encarei profundamente - E fique tranquila, Cari sabe de tudo e está de acordo.

...

Após a cerimônia e a primeira hora de festa, estava sentado na mesa dos noivos e ao meu lado a cadeira dela estava vazia. Pelo visto Leo e ela haviam se dado bem. Olhei ao longe no jardim e a vi encostada na parede enquanto ria pra ele, como eu jurei que ela só riria pra mim. 

Ri desgostoso. 

Abner e Cari olharam pra lá e se levantaram imediatamente. Os dois me estenderam a mão e, confuso, peguei as mãos dos dois. Eles me puxaram até a pista de dança, ficaram lado a lado e me puseram a frente, bem no meio dos dois e acomodaram a minha cabeça na direção de seus ombros internos, enquanto eu segurava nos ombros externos de cada um e sentia suas mãos livres segurarem minha cintura enquanto a outra mão estava entrelaçada. Sim, meus dois melhores amigos estavam dançando Perfect comigo. Quando a música acabou, dançamos We don't talk anymore, que namoral eu não sabia o que estava fazendo ao tocar num casamento e que eu também achei muito oportuna à situação, mas deixei isso pra lá, e logo eu beijei suas bochechas e sussurrei:

- Tudo bem, obrigado. Mas hoje é o dia de vocês, sejam felizes! Vou ficar bem. Amo muito vocês - me afastei e eles me encararam preocupados e ao mesmo tempo orgulhosos. Logo peguei a mão do meu amigo e coloquei na cintura da minha quase-irmã e briguei baixinho:

- DANCEM! - e sorri pra eles que sorriram de volta

Me sentei novamente na cadeira e tomei o resto do vinho suave que estava na taça enquanto me obrigava a não olhar pra eles. Não era irônico que o suposto motivo do término fosse minha rotina de viagens incompatível com a dela, enquanto ela estava flertando cum um cara que tem a mesma rotina que eu? Enfim, talvez doesse menos se ela tivesse me dito simplesmente que não me queria mais ao invés de arranjar desculpas.

O que tem de errado comigo?

 Quer saber? 

Vou embora.

- Ab, Cari - me aproximei dos noivos que estavam conversando com Cannobio e Terans - tô indo. Não se esqueçam que em 15 minutos sai o carro de vocês. - abracei os dois e fui embora, não sem antes ser traído pelos meus olhos e ver os dois ainda naquele canto escuro dançando Photograph parecendo imersos numa bolha só deles. Como ele tinha conseguido deixá-la naquele estado tão rápido? Eu demorei semanas pra conseguir o número dela...

O que eu fiz de errado? 

Eu que nunca vi Gabriela no passado, talvez esteja na hora de me acostumar. 

O problema é que tudo nessa cidade, no CT e na minha roda de amigos me lembra dela. Mas eu vou conseguir. Tenho que conseguir. Que escolha eu tenho, não é?

Tomara que eles sejam felizes. Leo é um cara de coração enorme e Gabriela é, com certeza, o espécime mais perfeito já criado. Que casalzão! Pena que ele não sou eu.

Muitas ideias e nenhuma que eu consiga pôr aqui, então vai assim mesmo

Beijos da Lu.

Ps. Até eu queria saber o que raios passa na cabeça da Gabriela