Pedro Guilherme

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Nunca imaginei que veria Nádia se afastar um dia.
Ela bancou emocional e as vezes financeiramente todos os meus sonhos.
Quando eu decidi desistir do futebol, foi ela quem olhou nos meus olhos e disse que confiava em mim.
Quando, após o ano mágico, eu fui convocado para a seleção principal e depois cortado por lesão,  foi ela quem enxugou minhas lágrimas e me consolou por noites a fio.
Foi ela quem não hesitou em levantar as 3 da manhã para me buscar no aeroporto quando a carreira na Itália deu errado.
Olhando para trás, quase tudo na minha vida tinha o dedo de Nádia... talvez tudo, até meu nascimento.
Sim, minha mãe não queria ter filhos, mas um dia enquanto cuidava de uma Nádia de 3 anos, ela pediu "titia, por que você não tem um bebê para brincar comigo?" E minha mãe diz que já tinha pensado nisso antes, mas sempre brinca que se não fosse a Nah, eu provavelmente não existiria.

E agora eu tô vendo ela sair do meu apartamento num sábado à noite com os olhos inchados mas sem ter derramado uma lágrima.
Algumas horas mais cedo, ela chegou aqui. Trouxe uma caixinha de presente e foi tomar um banho enquanto eu terminava de marcar uns compromissos para a manhã seguinte.
Esse era o nosso dia. O 2o sábado de cada mês era nosso, sempre foi assim desde que eu me lembre.
Eu já havia remarcado coisas importantes milhares de vezes e a vi fazer o mesmo por mim.

Nádia costumava ser um furacão. Ter sua presença na minha vida era sempre motivo de ser grato.

Naquela noite em específico eu estava saturado com umas coisas. Na verdade, só tava frustrado depois da final da libertadores em que eu não pude fazer muito.

Como eu falei antes, ela chegou. Me deu um beijo estalado na cabeça e foi tomar banho.
Deixou a caixinha na mesa de centro e disse
- Não seja curioso. Quando eu voltar, abrimos, ok? - sorriu
Eu apenas assenti
Quando ela voltou, eu estava lendo uns tweets extremamente maldosos e fiquei ainda mais possesso.
Ela sentou do meu lado e tocou meu ombro.
Me esquivei. Não me importava se estava sendo infantil. Estava doendo demais.
- Pepê, não precisa ser assim. Vem cá. - se aproximou de novo e eu me afastei.
- Hey, Pê - se agachou na minha frente - vai ficar tudo bem - sorriu em conforto.
- Não, não vai. - murmurei
- Vai sim, meu bem, eu prometo. - passou a mão em meus cabelos brancos.
Eu continuava lendo tweets
E parece que o buraco só aumentava
- será que a gente pode deixar esse encontro pro mês que vem?
- eu posso ficar e te fazer companhia, prometo que fico quieta. - sorriu
E eu não sei o que me deu. Cuspi tudo nela.
- Que tal deixar esse celular? Hum?- continuou com o carinho
- Por que, hein Nádia? Por que eu tenho que deixar o celular? Já não basta eu estar aqui preso nesse compromissinho idiota com você sem poder sair e me divertir e agora eu também tenho que deixar meu celular? Você quer monopolizar minha vida!
- Pedro, você está sendo injusto. - ela continuou no mesmo lugar, fechou o sorriso e tirou a mão do meu cabelo.
- Eu? Injusto? Droga, Nádia. Eu nunca faço nada sem você. Que saco! - bufei e joguei o celular longe.
- Tudo bem. Você venceu. Tô indo embora.

Vi ela se levantar, ir até o quarto e pegar sua bolsa.
Voltou e passou por mim respirando fundo como se se proibisse de deixar uma lágrima cair.

Quando ela colocou a mão na maçaneta eu me arrependi do que falei.
Mas fiquei estático no sofá vendo a pessoa mais importante da minha vida indo embora.

Depois que a porta bateu, eu chorei.
Chorei muito mais do que no dia anterior.
A dor lancinante era mil vezes pior do que a que senti quando o Palmeiras ergueu a taça na minha frente.
Eu sabia que tinha estragado tudo.

De repente, a caixinha que ela tinha trazido brilhou na minha frente e eu resolvi abrir.

A primeira coisa que encontrei foi uma carta e junto tinha um funko meu, na parte de trás da camisa havia escrito "Melhor centroavante da América" seguido de um N. - quase como uma assinatura.

Meus olhos marejaram de novo. Resolvi abrir a carta.

Pepê,
Imagino o quanto esse dia esteja sendo horrível.
Mas espero que se lembre que dias melhores virão.
Tudo bem chorar hoje
Tudo bem chorar amanhã
Tudo bem ficar triste o mês inteiro
Mas olha
O Liverpool foi campeão da Champions depois do escorregão do Gerrard
O Real ganhou La Liga depois das entregadas do Varane
O Barcelona avançou pras quartas depois do 4x0 em Paris
O Flamengo foi campeão brasileiro em 2020 depois de levar 4 do Peter Cam
E eu poderia ficar aqui listando milhões de outros resultados que foram dolorosos mas ficaram para trás e foram superados com êxito.
Eu sei que dói.
Mas eu vou estar aqui.
Como sempre estive
Pra você e por você.
Porque, meu menino, você é um campeão.
E eu me orgulho demais de você.

Te amo, N.

O que eu fiz?

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