Jhonatan Calleri

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Pisar em São Paulo 5 anos depois é aterrorizante. Mas eu quis vir até aqui. Onde sempre me senti em casa, mesmo que esteja há tantos km da minha amada Argentina.
Quando eu parti de São Paulo em 2016 estava destruído. Tinha perdido minha esposa 1 ano e meio antes para um acidente automobilístico. Tinha um filho pequeno apegado à madrinha (a melhor amiga brasileira de minha adorada Clara) que quase se mudou pra minha casa pra cuidar do pequeno e um caos romântico que se instaurou quando ambos percebemos que nos queríamos.
Ela foi taxativa. Não queríamos desrespeitar Clara e sua memória. Decidimos nos afastar. Eu fui pra Espanha, Amanda ficou em São Paulo. Algumas vezes meu filho veio visitá-la mas era sempre minha mãe quem fazia a ponte aérea.

Quando aceitei a proposta do time tricolor, eu sabia quais riscos estava correndo mas quis me convencer de que já não existia mais nada e que Clara precisa descansar em paz.

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Os primeiros dias no CT foram incríveis e hoje era minha estreia. A torcida cantava alto meu nome e, pela primeira vez desde que fui embora, eu me senti amado por aquela multidão.
Minha mente, no entanto, estava longe dali. Eu sabia que em algum lugar daquele estádio imenso meu filho estava junto com a madrinha e saber que ela estava me vendo trazia uma corrente elétrica estranha na minha pele.

Assim que o juiz apitou, tudo sumiu. Fiquei imerso em toda a adrenalina do jogo e quando acabou, estava tão cansado que nem conseguia pensar.

Me encaminhei pra casa sabendo que Ciro só viria amanhã. Logo subi para o quarto e capotei.
Acordei no dia seguinte e preparei o café. Sabia que a qualquer momento a mãe de Clara chegaria com Ciro e meu filho odiava comer fora de casa e, modéstia à parte, eu sou um bom cozinheiro.
A campainha tocou e eu estranhei. Dona Marília tinha a chave de casa, mas ainda assim, segui em direção a porta pensando no que faríamos mais tarde já que eu estava de folga.
Meus pensamentos foram interrompidos por aquele olhar escuro que eu não via há anos. Amanda estava na minha frente, segurando a mão do meu filho e ele parecia muito feliz por nos ver ali.
Eu, em compensação, estava atordoado e a mulher à minha frente não parecia estar diferente.

- Hola, papá. A tia Mandy teve que me trazer porque a vovó Mari teve um problema com o tio Kevin. Ela não queria vir, mas eu disse que não tinha problema, não é papá?

- É claro que não tem problema, mi amor. - baguncei seus fios - Entrem. - saí da frente da porta.
- Vai lá, babyboy. A tia não vai entrar - ela abaixou para ficar da altura do pequeno.
- Tia, você mesma disse pra vovó Mari que não ia fazer nada hoje, então por que não fica comigo e o papá? Eu estava com saudade e, além do mais, você volta de férias na segunda e vamos ficar muito tempo sem conseguir abraçar muitão como a gente fez ontem.
- Tudo bem, babyboy. Você é muito persuasivo. Igualzinho a sua mãe. - ela sorriu e tocou no nariz dele.
Eu sorri como um idiota.

AUTORA P.O.V.
Eles entraram e àquele dia foi muito interessante. Os 3 comeram, brincaram, viram TV, reclamaram do calor da cidade, foram pra piscina e às 18:30 o pequeno estava capotado na cama depois de se despedir da madrinha com muitos abraços e beijos e os olhos mais brilhantes que a moça já tinha visto na vida.
Em alguns momentos do dia, o jogador e a decoradora se encararam quase instintivamente e desviaram o olhar tão logo estes se encontravam.
Suas mentes estavam repletas de lembranças que consideravam estúpidas e inconvenientes.
Clara. Morarem juntos por 1 ano. O dia em que Ciro chamou Amanda de mãe. O primeiro clima de beijo interrompido pelo bip do microondas. A partida da moça. A mudança abrupta de continente do jogador. As noites em claro com saudade. Enfim, muitos pensamentos ao mesmo tempo.
Amanda achava extremamente errado se sentir tão a vontade com pai e filho depois de 6 anos. Sentia mais uma vez que estava desonrando a memória da melhor pessoa que já conheceu. Na verdade, sua mente era uma guerra. Por um lado, se lembrava da amiga dizer que o amado e a melhor amiga fossem felizes. Que se um dia algo lhe acontecesse era para eles seguirem em frente e não pararem suas vidas por causa dela. Por outro, lembrava de dona Marília dizendo que nunca perdoaria o genro e que a filha se estivesse viva também não perdoaria se ele casasse com outra mulher que ele ja conhecia enquanto ainda era casado. Na verdade, a moça sentiu que aquela foi uma indireta pra ela.
Mas se era errado por que parecia tão certo? Era o que ela pensava enquanto descia as escadas naquela noite de domingo.
No pé da escada, o argentino a olhava como numa cena de filme.
Ela chegou ao fim da escada e disse:
- Obrigada por hoje Jhonny. Seu filho está cada dia mais incrível.
O jogador parecia tão abobado que só sorria em gratidão.
- que tal um abraço? - ela continuou
Ele enlaçou a cintura da paulista e disse:
- Obrigado, Mandy. Voce é incrível com o Ciro e foi incrível aqui hoje também. Espero que com essa minha volta, a gente consiga voltar a ter um bom clima, até mesmo por causa do pequeno, que agora com você morando na mesma cidade vai querer estar sempre "de grudinho" como ele diz.
Ele sorri e finalmente a solta.
- Por mim, sim, Jhonny. Pode contar comigo. - sorriu e foi embora sentindo um turbilhão no peito, enquanto o jogador ainda estava parado no mesmo lugar enquanto sorria que nem a clássica cena do Messi olhando pro telão.

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