Gustavo Scarpa

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- Bom dia, Suzi - disse chegando por trás e dando um beijo na bochecha dela.
- Bom dia, Angie - ela sorriu pra mim
- Cadê o Gustavo? - perguntei indo até a geladeira e me servindo de água
- No quarto. Ainda não desceu desde que chegou.
- Espera. Você tá me dizendo que o Gustavo não desce desde antes de ontem? - abandonei o copo na pia já saindo em direção a escada

Bati em sua porta e não ouvi resposta. Entrei. Qual é, eu sou Angelina Scarpa. Essa casa é mais minha que do Gusta.

O quarto tava escuro, logo vi sua mochila jogada no chão perto da porta, depois os tênis e as roupas de viagem do time alviverde. Tudo no chão. Me assustei. Gustavo é a pessoa mais organizada que eu conheço.
Segui em direção à sua cama e o achei jogado só de cueca dormindo de qualquer jeito na cama. Cinco caixas vazias de leite condensado do lado e três cubos do outro.
Toquei em sua pele pra ver se ele estava realmente dormindo ou tinha tido um pico de glicemia. Qual é, não tô pronta pra perder esse insuportável.
Ele despertou.
- Oi Angie - ele soltou um suspiro profundo.
- Oi meu bem. O que houve? Suzi disse que você não sai desse quarto há três dias. - fiz carinho em seu cabelo que estava parecendo um ninho
- Num tô bem - falou manhoso enquanto se espreguiçava
- Mas por quê? Você acabou de ser campeão brasileiro, craque do campeonato. Vai realizar seu sonho de jogar na Europa e tá deixando uma legião de viúvas aqui. - franzi o cenho
- É exatamente esse o problema - sentou e encostou na parede - não sei mais se é o certo a se fazer... - suspirou - eu sei que quis muito esse contrato e até fiz post zoando a situação do clube, pq "vai que scarpa né?" Mas agora, não sei. - baixou a cabeça e cobriu o rosto com as mãos
-  e se eu não for bem lá? E se eu for uma decepção?
- Meu amor. É natural que você sofra com essa mudança. Ela é bem mais brusca que do Rio pra SP. Mas você é capaz, Scarpinha - sorri com o apelido que ele odiava - E você não nasceu no Palmeiras. Você foi muito bem no Fluminense. E foi muito bem aqui. Mas tá na hora de alçar novos voos. Esse sempre foi seu sonho. E coragem não é...
- Não é não ter medo, é fazer as coisas mesmo com medo - me interrompeu e completou
- Ainda bem que você sabe. - pisquei pra ele - além do mais, você vai ter todo suporte lá e outra, eles não podem te culpar por uma campanha ruim de meio campeonato antes de você chegar. E se eles te culparem, a gente manda um "quem tem mais, tem 5" e manda esses ingleses pro espaço. - ri e ele riu também.
A essa altura, já me olhava e parecia melhor.
- agora, que tal um banho? Vou dar uma arrumada aqui e depois definir teu cabelo pra você sair desse quarto pronto pra próxima capa de revista - ele se jogou em cima de mim e me abraçou.
Não disse nada, apenas me apertou ainda mais.
Depois levantou e foi pro banho.
Dei uma arrumada, abri as cortinas e ele veio do banheiro com o pente e o creme de cabelo. Sentou na cama, e me estendeu as coisas. Peguei e comecei meu trabalho naquele cabelo cheiroso. Quando terminei, ele soltou baixinho com a voz trêmula.
- Eu vou sentir sua falta, Angie. Mas eu nunca te pediria pra ir comigo. Sei que você tem sua vida e eu não sou mais a criança que você cuidava.
O virei pra mim e o abracei apertado. Mal sabia ele que pra mim, ele sempre seria a minha criança
- Eu sempre vou estar aqui pra você, Gusta. É a Angie e o Gusta ... - estendi o dedo mindinho pra ele, que sorriu e continuou
- E o Gusta e a Angie ... - enlaçou o dedo ao meu e ambos completamos
- Pra sempre.

Era assim que nós fazíamos quando crianças pra prometer que nunca íamos nos separar.
O pai do Gusta e a minha mãe são primos. Crescemos entre afastamentos e aproximações conforme nossa família se desentendia. Mas em cada um desses momentos, nós prometíamos que seria pra sempre. E será!

- Vamos, você tem que comer! Leite condensado e cubo magico não sustentam ninguém. - o puxei escada abaixo.
Ele tava lá comendo enquanto eu fui ao banheiro.
Estava voltando quando o ouvi me gritar
- ANGIEEEEEE, ANGIEEEEE, Ô ANGELINAAAAAAA - viu? Parece criança.
- O que foi Gustavo? Quem morreu? - cheguei com a mão na cintura o olhando intimidadora.
- O que é isso aqui em cima da mesa? - apontou para o meu passaporte e a passagem que estava dentro dele.
- Tu acha que eu vim aqui só pentear teu cabelo? Foi isso que eu vim fazer aqui, Gusta. Te dizer que se você quiser que eu vá, tá tudo pronto pra ir... - nem terminei quando ele me agarrou e ficou pulando comigo.
-É claro que eu queeeeroooo - gritou - mas e seu trabalho? - me soltou.
- Pedi transferência pra sede inglesa. Eu já me mudei com você do Rio pra cá e fiquei longe da minha amada praia. De SP pra Inglaterra é só mais um pedacinho - ri pra ele que está quase soltando fogos.
- Obrigado, Angie, o que seria de mim sem você? - sorriu lacrimejante pra mim
- Você ainda seria você. Gustavo Scarpa, o melhor brasileiro atuando no país. - ele me olhou orgulhoso e eu completei - tá, pelo menos do lado de cá da Presidente Dutra - ele gargalhou.
- Eu já tava estranhando você ter deixado seu clubismo de lado. Flamenguista já é tudo insuportável, mas você se supera.
Eu ri alto. Ele sabia que Pedro e Ribeiro talvez tivessem feito temporada superiores a dele. Mas isso nem de longe fazia ele ter menos mérito.
- Isso só mostra meu amor por você. Tô deixando de ver meu time do coração pelo menos 5 vezes no ano quando vêm jogar em SP pra ir pra Inglaterra que nem sol tem, só porque eu te amo.

Ele riu e acabou com a conversa dizendo.

- Tá certo, Angelina. Viajamos dia 12. - piscou
Eu fingi ter ficado emburrada só pra pirraçar ele por não ter respondido meu 'eu te amo'. Fui andando pra sala e de repente fui surpreendida com um braco na minha cintura e um sussurro do - agora mais animado - meu primo.
- E é mais que óbvio que eu também amo você.
E completou com uma mania que ele tinha desde a adolescência, beijou meu pescoço.
Fiquei estática. Nunca me acostumei. Só ouvi sua gargalhada.
- Idiota, você ainda se arrepia.
Eu virei pra ele e ergui uma sobrancelha maliciosa ao comentar:
- Acho que vou repensar essa viagem. Talvez Sampa seja bem mais animada sem você por aqui.
Ele fechou a cara na hora. Sempre foi ciumento.
Essa foi a minha vez de rir. Nottingham que me aguarde. Essa estadia na Inglaterra vai ser muito interessante.









Eu não gosto do Palmeiras.
Também não gosto do Fluminense.
E apesar de ter jogado nos dois times, eu gosto do Scarpinha.
Vai dar menos dor de cabeça não precisar se preocupar com as bolas paradas dele.
Espero que ele bem na Europa e que o Nottingham Forest não seja rebaixado na primeira temporada do bixinho.
Será que na Inglaterra tem Trakinas?
Inglaterra, prepare o leite condensado e os cubos mágicos, Gustavo Scarpa chegando .
Beijos da Lu.

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