Cassian não estava brincando quando disse que os treinos começariam às seis.
Como esperado, Aeleva não conseguira dormir naquela noite. Passou horas deitada na cama, pensando em seu nome e tentando se lembrar de qualquer coisa relacionada a ele. Pensava na situação peculiar que foi se lembrar dele, um frio no estômago de nostalgia e desespero, na garota loira cujas feições ameaçavam desaparecer novamente da memória. Aeleva se lembrava de que a garota era bonita, mas seu rosto era abstrato, e doía a cabeça tentar se lembrar de quem ela era. O mesmo com o garoto. Nada além daquela situação familiar, feições que um dia pareciam ter sido queridas. Será que estavam mortos? Provavelmente estariam. Seu coração doía um pouquinho.
Também se lembrava de estar caçando alguém. Sonhou que estava sendo perseguida e acordou com o som dos próprios gritos. Não conseguiu dormir depois disso. Pensou na sensação esquisita de estar sendo observada pelos corredores. Talvez fosse isso que a tivesse colocado na prisão. E se estivessem atrás dela de novo? E se estivesse sendo perseguida?
Não conseguia respirar, e se escondeu no guarda roupa. Fechou-se ali dentro, contornou as cicatrizes das palmas com as mãos, saboreou o silêncio e a escuridão, a única coisa familiar que lhe restara.
Notou que o sol estava nascendo quando os primeiros raios de sol começaram a entrar pelas frestas da madeira. Ponderou a possibilidade de não ir ao treino. Seu corpo doía pela forma que havia passado a noite de mau jeito, sua cabeça latejava pela falta de sono e ela não tinha vontade alguma de se levantar. Mas sentiu a ideia a fazia odiar a si mesma, odiar a própria inércia, odiar sua preguiça e sua má vontade. A ideia de apanhar e se machucar foi a única coisa que a fez se levantar. Esperava que Nestha e Cassian estivessem com a raiva por ela em dia, e que, com sorte, estivessem ansiosos para desconta-la.
Vestiu-se com o moletom escuro e largo que havia vestido em sua primeira noite. Ela havia rasgado as mangas e as barras das calças para se adequarem ao seu tamanho, e amarrado a cintura com as sobras de pano. Mesmo tendo ganhado certo peso, as roupas ainda eram grandes demais para ela. Poderia ganhar massa e músculos, mas não ganharia altura nem que passasse o dia se esticando.
Ela se lembrava do caminho até o ringue — Feyre havia comentado no dia anterior enquanto andavam juntas pela casa, então não teve problemas em chegar até lá. Ela estava atrasada. Nestha e duas outras fêmeas alongavam-se no centro do ringue, todas as três com armaduras de couro. Cassian aquecia-se a alguns metros delas, balançando os braços ao lado do corpo.
— Está atrasada. — Nestha não deu bom dia.
Aeleva não estava com qualquer interesse em conversar. Sentou-se um pouco longe das três, esticando as pernas em frente ao corpo e imitando seus movimentos.
A fêmea ao lado de Nestha virou-se para ela. Tinha cabelos ruivos acastanhados e grandes olhos verde-água que pareciam brilhar conforme o sol iluminava seu rosto. Ao contrário de Nestha, ela abriu um sorriso para Aeleva enquanto alongava os dedos.
— Bom dia! Aeleva, não é? — Perguntou ela. Aeleva levantou o rosto e assentiu. — Prazer! Meu nome é Gwyneth, pode me chamar de Gwyn. Essa aqui é a Emerie.
Aeleva olhou para a fêmea ao lado de Gwyn. Ao contrário da ruiva, esta não sorria, apenas a observava com o mesmo queixo empinado de Nestha. Tinha pele, olhos e cabelos escuros. Seu par de asas era coberto por cicatrizes e mutilado.
— Vocês são as Valquírias. — Observou Aeleva, apoiando-se nos pulsos. Não sabia de onde tinha vindo o comentário. Não sabia por que isso de repente parecia importante.
O rosto de Gwyn se iluminou.
— Nestha contou? — Perguntou, virando-se para Nestha. Nestha encarava Aeleva com desconfiança. — Nós estamos recriando as Valquírias, recuperando as técnicas usadas por elas. Há outras, mas o treino delas passou para essa tarde, provavelmente porque...
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Corte de Sombras e Tempestades
FanfictionAeleva tinha um segredo, mas não conseguia se lembrar. Após anos mantida cativa em um dos territórios de Hybern, Aeleva foi finalmente libertada por um Grão-Senhor que alegava precisar de sua ajuda. Sem sequer se lembrar do próprio nome, ou dos mot...