Capítulo 9

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Aeleva voltou para o ringue naquela noite.

Apesar se ter feito pouco caso no momento, a sensação da coroa afundando no pescoço do governante da Corte dos Pesadelos não saía de seus dedos. O pavor dele vibrando em sua pele. Os olhos assustados, o sussurro assombrado...

Deuses, Aeleva gostou disso.

Não sabia como havia conseguido passar o aro estreito pela cabeça de Keir — estava com raiva e agiu por impulso. Só se lembrava do zunido nos ouvidos, de agarrar o metal frio, de senti-lo subir pelo corpo.

Aquilo era bom.

A faca que o encantador de sombras lhe havia dado ainda estava guardada sob o travesseiro, e ela fez questão de leva-la para o treinamento noturno. Faria daquilo um hábito. Era muito mais fácil treinar sozinha, quando não havia olhos enxeridos ao redor, só ela e a lâmina e as estrelas.

Aeleva parou no centro do ringue, a faca firme nas mãos enluvadas. Fechou os olhos, lembrou-se das aulas de Amren e se concentrou naquela eletricidade na boca do estômago. Aquilo que ela julgara como medo, e então como raiva. A forma como vibrara mais forte quando afundou a coroa deixou claro para Aeleva que era algo.

Mas não estava com raiva agora. Estava com esperanças de encontrar Lola e March na Corte Diurna, nenhum dos Grão-Senhores se opuseram à busca e a única coisa que sentia agora era ansiedade. Ainda assim, ali estava aquele frio nas veias, a vibração inquietante que ela passara a chamar de instinto. A voz que a mandava lutar e que gostava do medo. Uma eletricidade agonizante que subia pelo peito e corria pelo braço, fazendo os dedos que seguravam a faca formigarem. Não. Vinha dos dedos, e descia pelo peito. Era difícil dizer. Estava em todo lugar, uma sensação familiar de adrenalina que batia desesperada sob a pele, implorando para sair.

O que está fazendo?

O impulso arremessou a faca por ela.

Num instante, a faca vibrava em sua mão. No outro, ela era apenas uma extensão de seu braço. Foi puro reflexo virar seu corpo, os olhos ainda fechados, e arremessar a lâmina em quem quer que estivesse se aproximando essa hora da madrugada. Aeleva pode jurar que ainda sentia a arma como um membro do corpo enquanto ainda estava no ar.

Azriel desapareceu em sombras antes que a faca o acertasse, fazendo com que ela se fincasse ereta na parede da Casa.

— Você me assustou — disse, virando-se para o mestre espião, que havia surgido ao seu lado. Seu peito se acalmou com a presença das sombras.

Azriel olhava para a faca que quase o acertara, as sobrancelhas erguidas. Lentamente, foi até ela e a tirou da parede, espalhando pó de gesso no ar.

— De novo — comandou ele, estendendo a faca para ela.

Aeleva olhou para a faca estendida e balançou a cabeça.

— Não sei como fiz.

Azriel nem se moveu, e Aeleva acabou cedendo.

— A esquerda na frente — falou, mostrando com a cabeça seus pés. Havia parado alguns passos de distância e tinha as mãos para trás, os olhos em Aeleva —, ombros para baixo.

Ela fez o que ele disse. Não sentia mais a vibração em sua pele implorando para sair. Ainda estava lá, mas era difícil se concentrar nela com o olhar analítico do Encantador de Sombras sobre si.

Corte de Sombras e TempestadesOnde histórias criam vida. Descubra agora