Capítulo 26

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— Tem certeza que quer fazer isso, Eva?

Aeleva se sobressaltou com o som repentino da voz do Encantador de Sombras em seu quarto. Seu primeiro instinto foi olhar para a porta, estranhando o fato de tê-la esquecido de trancar, mas então ouviu o risinho curto e seco de Azriel do lado oposto para onde estava virada. Ela rolou os olhos, e estaria irritada pela invasão se já não esperasse uma hora ou outra. O mestre-espião, quando Aeleva não o encontrava no ringue, vez ou outra dava um jeito de aparecer. E as vezes isso significava atravessar até seu quarto pouco antes do início da madrugada.

— Tenho — respondeu Aeleva, sentando-se sobre o cetim dos lençóis. O tecido deslizou até seu tornozelo, revelando a bainha de ambas as coxas onde prendia suas novas lâminas. Mesmo com a saia da camisola não tão curta, as cicatrizes de sua coxa não se mantiveram em segredo, mas estava longe de sentir-se desconfortável com Azriel agora —, e tenho certeza que estamos certas.

As sombras se materializaram no corpo do mestre-espião logo ao lado das janelas, exatamente onde Aeleva costumava se sentar, observando a montanha abaixo, perguntando-se se deveria saltar. Eram raros esses momentos agora, mas não tão raros quanto deveriam ser.

— É perigoso.

Aeleva o olhou, o corpo dele amparado no umbral das janelas, as cortinas balançando com o vento atrás de seu corpo e trazendo seu cheiro. Tão familiar. Como se Aeleva o conhecesse a vida toda.

— Não consegui todas as minhas cicatrizes em segurança dentro de um quarto, Az.

— E estou errado por querer que não tenha mais nenhuma?

Ela soltou o ar dos pulmões em um meio sorriso, desviando os olhos para os lençóis.

— Você é o único que confia suficientemente em mim para me dar armas — disse ela —, preciso que confie em mim para me deixar resolver esse problema.

— Se esperar mais um dia...

— Não quero esperar — ela balançou a cabeça — Lolla observou a rota da Corte Outonal por semanas, muito mais tempo do que você. Se algum soldado do exército de Abaddos morreu hoje, há chances de o encontrarmos amanhã. De ver o que acontece nas Portas da Morte.

Azriel balançou a cabeça, indo até ela. Ele vestia uma camiseta leve agora, o tecido fino preto marcando os braços e o peitoral. Ela nunca o havia visto de calças de moletom agora, nunca o vira tão confortável. Mas o andar não combinava com as roupas leves, nem mesmo o olhar preocupado de seu rosto.

— Portas da Morte — Azriel sentou-se na beirada da cama, ao lado de Aeleva — Não me parece um lugar bom de se visitar.

Ela esboçou um sorriso, tirando os fios de cabelo do rosto.

— Já ouviu sobre Tânatos, o deus da morte? — Azriel franziu levemente as sobrancelhas ao balançar a cabeça, e Aeleva continuou — Quando morremos, é ele quem reivindica nossa alma. Ou ao menos costumava reivindicar. Há novos deuses da morte agora.

— Sim — Azriel assentiu — o Entalhador de Ossos, Koschei e a Tecelã.

— Mortos. Ao menos foi o que Nestha me contou.

Azriel assentiu mais uma vez.

— Se os deuses da morte não estão mais aqui, quem controle o reino dos mortos?

Azriel encolheu os ombros.

— O Caldeirão? A Mãe?

— Lolla pensa que ninguém. Durendal e seu exército surgiram após a morte de Koschei, não é? Quando o Reino dos Mortos ficou sem supervisão. Quem decide quem permanece morto e quem vive agora. Az? Se não há qualquer porteiro entre a vida e a morte?

Corte de Sombras e TempestadesOnde histórias criam vida. Descubra agora