Capítulo 50

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Havia ódio incontrolável em Aeleva.

Não soube ao certo o momento exato em que Aeleva de Esparta voltou. Havia êxtase puro em seu peito quando aninhou o rosto no calor do pescoço do Encantador de Sombras, mal acreditando na própria felicidade, e pegou no sono sentindo as batidas de seu coração pulsando do corpo dele para o seu. Tudo o que sentia era paz ao fechar os olhos, ao pegar no sono. Então os sonhos começaram, e quando acordou sentiu como se tudo tivesse sido tirado dela. Como se tudo estivesse errado.

Aeleva de Esparta era miserável e monstruosa.

Sentiu-se imunda demais para estar naquela cama, e raiva parecia consumi-la ao se dar conta de que todas as memórias haviam retornado para ela. Cada memória desgraçada. Cada segundo daquela sua vida ridícula.

Quando saiu dos lençóis, perguntou-se se qualquer um ali desconfiava que estavam abrigando a inimiga durante todo esse tempo. Caçando Durendal há meses apenas para descobrir que ela estava bem ali debaixo de seu teto.

Estiveram certos em ter medo, em destrata-la. Fizera por merecer.

Então ela se levantou na calada da noite, porque só havia uma única coisa a se fazer para se livrar de toda aquela raiva. Não protestou quando Lolla a seguiu, e quando saltaram da varanda Aeleva se certificou de que os ventos carregassem-na também. Não trocaram nenhuma palavra. Não precisaram.

Lolla aguardou na praia, as canelas na arrebentação, enquanto Aeleva destruía a Ilha na qual fora prisioneira. A irmã não conseguiu ver os horrores que Aeleva fez com os guardas, mas certamente pôde os ouvir gritar. Certamente ouviu os lamentos, sentiu o cheiro do sangue tomar a praia. Assistiu à areia ser tingida de vermelho conforme o sangue escorria de dentro do prédio como um rio corre para desembocar no mar. Aeleva fez questão de transformar duzentos anos de sofrimento em algumas horas. Talvez eles tivessem sofrido mais que ela, afinal.

Não foi trabalhoso levar o prédio abaixo. A eletricidade dos metais pulsava junto com seu sangue quando ela derrubou pira por pira, fazendo as pedras desabarem. O chão todo tremeu — a ilha tremeu. A tempestade caiu sobre a prisão da ilha e tudo que restara dela.

Aeleva de Esparta não era misericordiosa, piedosa ou boa em qualquer que fosse o sentido. Os demônios de Hades sentiriam inveja. Não era a toa que, dentre todos seus nomes, erínia da península era um deles.

— Uau — Lolla a esperava na praia, os tornozelos ainda imersos no mar vermelho — isso que eu chamo de obra de arte.

Aeleva ainda tinha as Gêmeas de Esparta ao se aproximar dela, e não ignorou o pequeno passo para trás que a irmã deu ao vê-la caminhar lentamente em sua direção. O sangue era quente na areia e a gosma seca no corpo de Aeleva dificultava seus movimentos.

— Meu plano fracassou por sua causa.

Lolla apenas a encarou, mas a mão estava em seu arco. Inutilmente, Aeleva pensou. Não planejava brigar. A covardia de sua irmã não era digna de um combate.

— Fracassou? — Perguntou ela — Porque tudo até aqui parece certo. As pérolas logo estarão em suas mãos e Abaddos vai ser seu para matar de uma vez por todas.

— Deveria ter ido atrás de Abaddos, resgatado as pérolas e as usado. Te dei cento e setenta e sete anos, e você desperdiçou cada segundo deles.

Lolla ficou em silêncio, e Aeleva agradeceu por isso, porque não queria ouvir sua voz. Se ouvisse um pedido de desculpas talvez construísse uma cela bem ali para dar alguns anos de férias a sua irmã.

— Rhysand se lembra? — Aeleva perguntou, Lolla fez que não — Então está na hora de contar.

— Não acha que contar o futuro pode mudar o curso das coisas?

Corte de Sombras e TempestadesOnde histórias criam vida. Descubra agora