Capítulo 46

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A redoma solar tornou-se opaca quando as nuvens cinzentas a cobriram, amontoando-se em volta como algodão prensado contra vidro. Chuva passava por ela, gotas finas e esparsas ganhando espaço pela camada de sol e magia que cobria Azriel e os demais.

March - ou o que sobrara dele - olhou para cima, para a figura que se aproximava pelos céus. Com todos os outros mortos de joelhos, Azriel podia ver, através da camada arroxeada que era a redoma de Durendal, Rhysand, Amren, Mor e Cassian, em pé, olhando para cima tão fascinados e assombrados quanto ele. Até mesmo March parecia desconcertado.

— Vejam só quem resolveu se juntar a nós — March abriu um sorriso póstumo, aproximando-se alguns passos, a magia que vazava de suas mãos reforçava a redoma ao redor deles — Venha, Eva. Já era hora de aparecer.

Azriel sabia que Aeleva não o havia escutado — ele mesmo mal ouvira a voz de March por cima dos rugidos que haviam tomado Velaris. Os trovões pareciam ter se espalhado por todos os lados do Sidra, e era impossível dizer se era noite ou dia conforme o poder de Lolla recuava para dar espaço à tempestade. O vento gemia e assoviava, provocando estrondos ao se chocar com a película de magia que cercava Azriel, e ele podia ver, através dela, lâminas sendo levadas pela ventania, pedras, folhagens, pedaços de telha das casas semi-destruídas, objetos e destroços rodopiando em volta de uma única figura central: Aeleva. Viu seus irmãos, Amren e Mor olharem para cima, os cabelos esvoaçando, todos tentando manter o equilíbrio e a coragem diante da cena mais apavorante que Azriel já presenciara.

Aeleva pairou sobre eles, e só aí — até então, Azriel estava embasbacado demais para raciocinar qualquer coisa — foi que ele percebeu que ela flutuava. Os ventos convergiam em sua direção, e Aeleva, de braços abertos, controlava-os para manter-se no ar, o corpo preenchido com uma magia azul prateada que muito se parecia com os raios que cobriam os céus. Seus olhos eram dois pontos brancos e brilhantes no meio da escuridão cinzenta, e seus cabelos flutuavam ao redor da cabeça, imaculados diante à ventania selvagem ao redor.

— Eva — Azriel sentiu a faca voltar ao seu pescoço conforme seu nome sussurrado saía da boca de March. Azriel não soube o que a hesitação do semideus significou, se era medo, ou irritação, ou desejo por ela — recue, querida. Venha em paz, e deixo esse verme que chama de amante viver.

Mas Aeleva, graças à Mãe, não lhe deu ouvidos, e Azriel começava a duvidar que era apenas em razão dos sons da tempestade. Parecia um transe. Aeleva não parecia estar no controle da própria mente quando abriu as mãos ao lado do corpo e, em uma mistura de raio e vento, fez o chão tremer e o ar faiscar.

— Merda — Lolla falou, ainda lutando contra as lágrimas, dividindo o olhar entre o irmão e Aeleva. Azriel logo percebeu o que ela xingava, porque sentiu a própria armadura pesar, as armas que carregava tremerem em suas mãos. Sentiu o choque percorrer seu pescoço vindo da lâmina que pressionava sua garganta. Ouviu lamentos e notou que as armaduras dos guerreiros pesavam também, as armas tilintavam e escapavam dos ossos fracos demais para as segurarem. O céu foi tomado por lâminas e flechas, flutuando no ar carregado de energia junto com um elmo ou outro perdido no chão.

Entre um piscar de olhos e outro, os mortos explodiram em mil pedaços, esmagados pelas próprias armaduras sob uma chuva de metal moído.

A faca em sua garganta virara farelo também. A película de magia que formava a redoma foi coberta por uma gosma escura do que quer que os mortos chamavam de sangue.

Mas agora só havia March em pé, de olhos arregalados e fraco demais para sustentar a própria magia diante de um exército inteiro destruído. Azriel viu quando seus olhos foram tomados por medo, quando ele deu um passo para trás e se deu conta de que não era forte o suficiente para segurar seu escudo. Não havia mais nada entre eles e os demais quando Aeleva fincou os pés no chão, a cinquenta metros deles. Ainda assim, ainda longe, sentia-se a vibração que seu poder causava, a ondulação no ar, a ventania.

Corte de Sombras e TempestadesOnde histórias criam vida. Descubra agora