Capítulo 36

708 97 12
                                    

Aeleva precisava esvaziar a cabeça.

Forçou pensamentos a virem até sua cabeça — Lolla, Helion, harpa, Abaddos. Forçou-se a se lembrar de que era Helion quem escondia a harpa que poderia fechar as Portas da Morte, e que, se não fosse bem sucedida aquela noite para convence-lo, o exército de Durendal não deixaria de crescer. E, ainda que não fosse o caso, precisavam do exército da Corte Diurna. Era nisso que ela precisava pensar.

E não na raiva crescente que sentia de Azriel por brincar com seus sentimentos.

Estúpido e egoísta.

Não. Precisava concentrar-se em Helion.

Virou o corredor, afastando-se da multidão do salão, e seguiu até que a temperatura subisse — e denunciasse a presença de sua irmã. Resquícios de partículas de luz espaçavam-se pelo caminho, como rastros, brilhando no vazio. Não demorou até que avistasse Lolla, a faca em uma de suas mãos pressionada contra a garganta de um Helion sorridente contra a parede. Um sorriso brincava no rosto de ambos, embora não parecessem nada amigáveis. O olhar lento de sua irmã se virou para ela tão logo Aeleva de apontou no passadiço, e Helion também o fez.

Merda. Aeleva sentiu arrogância e raiva subir-lhe pela garganta, lembrando-se de forma clara como havia mandado que Lolla não usasse violência sob nenhuma hipótese. Não com Helion.

Ah — exclamou Helion —, isso só fica mais e mais divertido.

Aeleva não deixou que o sorriso irônico aberto por Lolla refletisse em seu rosto, manteve-o duro como pedra ao se aproximar.

— Lolla — disse ela. Inferno, ela não fazia ideia do que estava fazendo, mas não podia se dar o luxo de ser ou soar insegura. Não podia que Helion visse o quanto estava ansiosa e distraída e com medo — Deixe-nos.

A irmã segurou o olhar em Helion por mais um instante antes de afastar-se, livrando a garganta do Grão-Senhor de sua faca. Inabalado, ele deu uma piscadela galanteadora em sua direção, e o olhar que Lolla lançou a ele foi uma mistura de desprezo com interesse antes de sair rebolando pelo corredor e sumir pela porta que levava ao salão.

Com a sobrancelhas erguidas, Helion olhou para ela. O entretenimento se esvaiu em instantes.

— Sua amiga é muito espirituosa — comentou ele — agora entendo porque estava tão ansiosa para encontra-la.

Aeleva não sorriu.

— Não o suficiente, eu imagino.

Um lento sorriso. Ódio nos olhos cor âmbar.

— A filha de Apolo sabe o que fala e o que diz — comentou — Muitos diziam que Apolo era o deus da beleza.

Aeleva entrelaçou as mãos às costas.

— Não sei o que uma coisa tem a ver com a outra.

Os olhos de Helion se estreitaram.

— Interessante — o corpo do Grão-Senhor iluminava-se apenas pela luz das estrelas que vazavam das janelas. A túnica branca e dourada deixava os braços fortes e as coxas a mostra —, você a mandou até mim, e não faz ideia.

Não, ela não fazia.

— É difícil dizer se há confusão em seus olhos. Deveria aprender com a filha de Apolo que algumas emoções não devem ser escondidas quando tratamos de política, Aeleva — ele deu um passo para o lado, como se cogitasse circunda-la. Aeleva ergueu as sobrancelhas para o gesto. De alguma forma, havia virado a presa — Se eu pudesse, por exemplo, enxergar a pergunta em seu rosto, acreditaria que não teve intenções de me manipular de tal forma. Talvez isso fosse me fazer cogitar uma aliança. Mas não vejo nada, portanto acredito no pior.

Corte de Sombras e TempestadesOnde histórias criam vida. Descubra agora