Capítulo 39

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Aeleva estava de volta nos corredores escuros. Cheirava a mofo e terra molhada, e o ar úmido parecia grudar em sua pele imunda, misturando-se ao suor. Estava largada no chão, recostada na parede, bebendo uma água lodosa de um cantil sujo de poeira e tentando recuperar seu fôlego. Todo o corpo doía.

— Vamos morrer aqui embaixo — Lolla lamentou, encostada na parede oposta do corredor estreito. Aeleva precisava se concentrar para enxerga-la, adaptando a visão aguçada à escuridão. A irmã estava pálida e coberta de sangue e terra, a armadura de couro rasgada no tórax e manchada com uma gosma cor-de-musgo. As pernas nuas estavam cheias de cortes.

Só então se deu conta de que estavam no subsolo. Pelo estado da filha de Apolo, deveriam estar há muito tempo longe da luz do sol ou de qualquer fonte de energia. Aeleva sabia que não estava muito melhor do que ela: uma das coxas estava enfaixada por um tecido cinza que um dia poderia ter sido uma camiseta, fazendo-a questionar o porquê de ainda insistirem na armadura das Amazonas. A bota que subia até o joelho estava coberta por lama. E, ainda que conseguisse suportar muitos dias sem comer ou beber água, seu estômago começava a doer de fome — o que era um sinal para começar a se preocupar.

— Você me ouviu? — Aeleva fechou os olhos, não querendo ouvir as reclamações da irmã — Vamos morrer. E a culpa é sua.

Era mesmo.

— Não vamos. — foi tudo o que Aeleva conseguiu resmungar, e ainda assim precisou usar de uma força que sequer sabia que ainda tinha em seu corpo.

Lolla riu sem qualquer humor.

— Vamos. Você sabia disso.

Sabia.

— Confie em mim — Aeleva abriu os olhos para olha-la — Sei como nos tirar daqui — não sabia —, tenho a bênção de Dédalo. Abaddos não.

Lolla riu.

Ah, a benção de Dédalo — Lolla tinha o dom de tratar tudo com zombaria — Claro, eu tinha me esquecido. O bendito fio, não é?

Sua cabeça doía tanto que era preciso muito esforço para não fechar os olhos mais uma vez, mas Aeleva usou toda sua força de vontade para sustentar o olhar da irmã. Não por raiva ou irritação, e sim porque era tudo o que podia oferecer a ela, o incentivo de que tudo ficaria bem e de que tinha tudo sob controle. Sem isso, ficariam presas lá, tomadas pelo medo e pela fraqueza. Seria fácil demais desistir. Aeleva não podia permitir isso.

— Você não tem ideia do que ele é, tem?

Lolla deu de ombros, e por trás de toda aquela raiva que Aeleva via em seus olhos, havia apenas exaustão e medo. Jamais iria culpa-la por isso. Então continuou:

— O fio de Ariadne, tecido a Teseu para que ele pudesse se guiar pelo Labirinto e voltar para casa.

— Ah, não — Lolla afundou a cabeça nos joelhos dobrados, os cabelos imundos enroscando-se nas panturrilhas — Não me diga que é uma história de amor — o princípio de um sorriso surgiu nos lábios de Aeleva. Estavam cada vez mais raros agora — Merda, Eva. Juro a você que, se disser que o amor nos guiará para fora desse labirinto, faço crescer bolas em você e depois as chuto.

Merda. Aeleva queria muito ter forças para rir, mas sabia que qualquer emoção que se permitisse sentir acabaria em uma crise incontrolável de choro.

— É um fio de verdade, perdido no Labirinto. Só precisamos encontra-lo.

— "Ei, Aeleva. Como agradecimento por nos salvar, tome aqui um baú trancado. A chave está aí dentro".

Corte de Sombras e TempestadesOnde histórias criam vida. Descubra agora