Capítulo 3

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Dias se passaram sem que ninguém a importunasse.

Ainda não havia chorado, mas estava certa que o único motivo para sua ausência de lágrimas era o vazio intenso que sentia no peito. Não havia o que chorar, gastara todas as lágrimas ao longo de sua vida infeliz. Disso ela tinha certeza. Era uma vida infeliz. Se não tivesse sido, ela saberia. Teria alguma centelha dentro dela que impediria que ela se sentisse daquela forma. Mas, nos primeiros dias que passou deitada sobre o cetim dos lençóis, forçando a mente a lembrar de qualquer coisa, convenceu-se de que não havia absolutamente nada dentro dela, e duvidava de que um dia teria havido.

Um prato de comida aparecia sobre o criado mudo três vezes por dia, mas tinha recuperado muito pouco de seu peso. Talvez porque, apesar da fome, raramente conseguia comer. Ou porque, mesmo que comesse, acabava vomitando tudo em algum momento do dia — geralmente de noite, quando os pesadelos prestavam uma visita.

Seus sonhos não tinham nada de concreto. Geralmente sonhava que estava dentro da cela, e podia jurar que podia sentir as cordas que a prendiam pelos pulsos. Ela mantinha as cortinas fechadas, porque não tinha coragem de ver as estrelas, e a claridade do sol não era bem vinda. Às vezes, nos piores dias, sentava-se próxima à janela e pensava como seria pular.

Até o cetim dos lençóis a incomodava. Após muitas noites desconfortável com a mudança de ambiente repentina, ela havia esvaziado o guarda roupa e passado uma noite ali dentro. O ambiente apertado e escuro era a única coisa que, ironicamente, fazia-a manter a sanidade. Ela estava enlouquecendo. Se já não estava louca, logo estaria.

Todas as noites, um bilhete acompanhava a refeição. Talvez devesse avisar Rhys ou Feyre que ela não sabia ler. Ou talvez não entendesse aquela língua. Pensar nisso era desesperador.

Ainda assim, ninguém a importunara. Até agora.

Foi Feyre quem bateu na porta pouco depois do almoço. Ela trazia duas xícaras de chá e vestia roupas confortáveis sujas de tinta. Sorriu quando a viu abrir a porta, mas era óbvia a preocupação em seu rosto. Seus olhos também tinham muita cautela, e não era difícil perceber que tudo aquilo era forçado. Viam-na como uma ameaça, e ela sabia. Não era como se a tivessem resgatado de uma cela qualquer.

— Trouxe chá. — Disse Feyre com um tom amigável. — Pensei que poderíamos conversar.

Ela deu um passo para trás para que Feyre entrasse. A loira caminhou até a cama e se sentou na beirada, oferecendo-lhe uma das xícaras que tinha na mão. Ela aceitou e sentou-se com Feyre.

— Como está se sentindo?

Deu de ombros, achou que a resposta "não estou sentindo nada" não era o que Feyre queria ouvir.

— Você parece melhor, se isso significa alguma coisa. Ganhou um pouco de peso. — Ela não soube como responder, então Feyre continuou — Sei que dissemos nos bilhetes que esperaríamos até que estivesse pronta, mas não podemos mais esperar. As coisas estão piorando.

— Eu já disse que não sou...

— Não esperamos nada de você. — Interrompeu. — Nada mesmo. O que o Suriel disse pode ter diversos significados. Tirar voce da Ilha pode ter desencadeado um milhão de resultados diferentes que poderiam significar nossa vitória. O destino toma seu próprio curso, não esperávamos encontrar todas as respostas e não esperamos que você as dê.

Fez-se alguns instantes de silêncio. Sabia que estava sendo injusta, que poderia ao menos tentar mostrar alguma gratidão. Parte dela a xingava pela própria inércia, mas estava tão sobrecarregada que mal dava ouvidos a ela.

— Não consigo ver o labirinto.

— Você tentou?

Silêncio. Feyre suspirou.

Corte de Sombras e TempestadesOnde histórias criam vida. Descubra agora