Capítulo 24

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Lolla corria os dedos pelas lombadas dos livros conforme descia a rampa em espiral, uma por uma, deixando a marca de seu dedo pela poeira. Podia sentir os olhares sobre si, mulheres encapuzadas debruçando-se no corrimão para ve-la contornando as estantes. Uma, em especial, seguia-a. Talvez não fizesse ideia de que Lolla estava ciente de sua presença. Mas Lolla se divertia em fingir fazer qualquer coisa importante, apenas para atiçar a curiosidade e o medo de terceiros. Não era como se houvesse qualquer outra coisa divertida para se fazer na Corte Noturna.

Deuses, que lugar de merda. Era frio e os dias chatos. A música vinha ao por do sol, e era quase um sussurro de se ouvir lá de cima daquela montanha. Lolla não via a hora de ir embora.

— Se está treinando para ser uma espiã — suspirou Lolla, parando de andar. A saia de seu vestido acompanhou seu movimento, enroscando-se em seus tornozelos como se dançasse — está fazendo um maldito péssimo trabalho. Está apaixonada por mim?

A mulher saiu das sombras, e, ao puxar o capuz, revelou-se uma garota. Não do tipo de Lolla, porque esta não era de sorrisos tímidos como o que a garota ruiva lhe ofereceu. Lolla ergueu uma sobrancelha, e, quando ela curvou a cabeça em sua direção, fazendo os cabelos de cobre deslizarem de trás da orelha e caírem sobre os ombros, perguntou-se se já a conhecia.

— Minha senhora — disse ela, timidamente —, não quis ofende-la.

Lolla poderia gargalhar. Minha senhora. Tinha passado muito tempo longe de Aeleva, mas pelo
visto não o suficiente. Gostaria mesmo de ter esquecido a forma como todos ao redor tratavam a mulher de olhos cinzentos, e todos os outros codinomes que as pessoas julgavam mais respeitosos do que usar seu nome. Talvez estivessem certos. Os nomes tinham poder. Relacionar-se com Aeleva era receber muito mais respeito do que estava acostumada.

Mas Aeleva não era nada agora. Maldita fosse. Malditos fossem todos eles, especialmente Abaddos. Aeleva sequer era Aeleva.

— Fui promovida? — Perguntou Lolla, entrelaçando as mãos em frente ao peito — Não diga que terei que transar com seu Grāo-Senhor? Ou sua Grã-Senhora?

As bochechas da garota coraram, fazendo Lolla bufar ao revirar os olhos.

— Eu quis dizer — Lolla explicou sem qualquer paciência —, que merda é essa de minha senhora?

A garota abriu a boca, sem graça.

— A senhora veio dos céus, e...

Lolla não segurou a risada.

— Vim da detestável vagina da minha detestável mãe. O que você quer, querida?

A garota se aproximou, puxando a saia de suas vestes de sacerdotisa para não tropeçar.

— Meu nome é Gwyn. Sou sacerdotisa do templo e trabalho na biblioteca. — Deuses, quando foi que Lolla deu a entender que estava interessada em ter aquela conversa? — Eu... Bem, eu ajudo em algumas pesquisas, li muito sobre os deuses. Eu tenho tantas perguntas! É verdade o que estão falando? Que é uma semideusa?

Lolla ergueu as sobrancelhas.

— E se eu for?

A garota pareceu que iria explodir de animação, o sorriso crescendo em seus lábios. Adorável. Entediante.

— Há ainda muitos de vocês? — Perguntou, e agora estava perto o suficiente para que Lolla enxergasse a cor-verde petróleo de seus olhos — O que fez todos esses anos? Quem é sua mãe?

Lolla piscou, e não evitou que um pequeno sorriso surgisse em seus lábios, afinal achara graça daquilo tudo. Fazia mais de cem anos desde que falara em voz alta o que era, e tinha quase certeza que fora para Aeleva. Todas as noites, ela repetia para si mesma, no entanto: sou Lorellai de Delfos. Semideusa. Feiticeira. Irmã de March de Olímpia e Aeleva de Esparta. Ainda estou viva e permanecerei.

Corte de Sombras e TempestadesOnde histórias criam vida. Descubra agora