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terceiro sábado de novembro, 2021.

MORENA
Ô de casa! — falei mais alto enquanto entrava na casa da minha mãe. — Maaaanhê! Monalisa!

— Minha filha, finalmente! — minha mãe veio com um pano de prato em um dos ombros e eu dei risada. — Você demorou.

— Eu disse que vinha no sábado, mas não avisei qual. — eu gargalhei pois ela tentou me bater com o pano de prato. — Parou ein!

— Sua pilantra! Cadê aquele menino índio?

— Mãe, o Geizon tem quase quarenta anos na cara... Mó coroa, tá longe pra caralho de ser menino. — eu disse com as mãos na cintura e eu senti um tapa na minha cabeça. — Aí merda!

— Não fala assim dele. Ele não ta aqui pra se defender.

— Nhenhenhenhe... Aquele otário tá gravando alguma coisa do multishow, por isso nem me dei o trabalho de chamar ele.

Ela foi me levando pra cozinha e eu inalei o cheiro delicioso do estrogonofe de frango que ela preparava, ficamos conversando ali nos duas até a Monalisa entrar gritando com o Luke, o nosso viralatinha safado que vivia fazendo merda.

— Olhe aqui seu merdinha, nunca mais te levo pra comprar coisa na rua. Tá me ouvindo? — ela gritava em tom de risada e o cachorro só fazia abanar o rabo e ficar de boca aberta como se estivesse rindo da cara dela.

— Deixa essa feia aí, vem garotão. — me abaixei e esperei ele, que veio todo desengonçado dando latidos animados e escorregando nas próprias patas de tanto correr, eu caí no chão com ele pulando em cima de mim. — Que saudade, seu safado.

— Aproveita e leva ele pra ficar uns dias lá com aquele índio fajuto, ele ensinou um monte de merda pra ele na última vez que veio aqui.

— Nada disso, aqui é minha casinha, eu não vou não. — eu afinava a voz e tentava deixar como se fosse o Luke respondendo a minha irmã.

Eu levantei do chão quando Luke se cansou e correu para o quintal, passei a mão na roupa tirando os pelos e fui lavar minha mão.

Depois do almoço fomos as três para o lado de trás da casa, onde tinha uma varada com algumas cadeiras e uma mesa de madeira maciça, minha mãe colocou ali na mesa os potes de sorvete, colheres e pequena tigelas.

— Eu amo que todo mundo me mima com sorvete de flocos!

— Eu sempre compro um potinho e deixo guardado esperando você aparecer. — minha mãe justificou e eu vi minha irmã revirando os olhos e fazendo caretas, com ciúmes.

Tem mais de dois anos que eu deixei de morar aqui com elas e minha mãe ainda sobre com a síndrome de ninho quase vazio.

Monalisa passava boa parte do dia fora de casa com sua faculdade e também com o seu trabalho num escritório de advogacia no centro, onde ela começou como estagiária e hoje trabalha junto lá pegando pequenos casos enquanto termina os últimos periodos da faculdade.

— Luke! Não! — minha mãe bateu o pé no chão chamando a atenção do cachorro que tentava destruir sua hortinha no cantinho do jardim.

— Esse cachorro ainda vai ser desabrigado.

— Teu macho que ensinou ele a ir pular no pé de tomates!

— Meu macho o que garota? Sai fora, eu hein. — eu reclamei segurando o riso e ela me olhou com os olhos bem pequeninos, toda desconfiada. — Que foi, cara?

— Tô tentando te decifrar por pensamento, já que você não me conta nada.

— Tu é otária né. — eu consegui dizer depois de passar uns segundos gargalhando dela e quase me entalar com o sorvete.

— Me conta logo, merda.

— Tenho nada pra contar, Mona. Nos dois só estamos sei lá... Nós conhecendo?

— E o que mais tem que conhecer? Do jeito que você enrolou esse menino, eu ainda fico surpresa que ele ainda esteja contigo depois de finalmente conseguir te dar uns beijinhos. — minha mãe se sentou com a gente ali de volta e eu ri baixinho.

— Se fosse só uns beijinhos né! — Mona comentou e eu senti minha alma saindo do corpo.

— MONALISA! CALA A BOCA!

— Você já deu a ele, Morena? Minha filha, como assim...

— Mãe, estamos no século vinte já. Não viaja, ninguém mais espera o casamento pra ser bem fodida não. — minha irmã disparava a falar e eu tava sentindo minha cara queimando de tanta vergonha. — E pode apostar que ela tá com essa pele boa aí, não foi por transar uma vez só com ele.

— Misericórdia... — minha mãe exclamou botando a mão na boca e eu quis me afundar dentro do ponto de sorvete se fosse possível.

Minha mãe tinha uma pouco mais de cinquenta anos, foi casada por toda vida com um homem só, meu pai, e pra ela ver que Monalisa e eu passamos nossa juventude aproveitando de formas diferente da época dela, era quase um aberração.

Eu senti meu celular vibrando e agradeci por ser salva pelo gongo porquê sei que minha mãe iria me encher de perguntas.

Como se adivinhasse que falávamos dele, era Geizon quem estava me ligando. Atendi e levei o telefone logo para a orelha, não iria me arriscar em botar no viva voz e minha mãe falar umas pra ele ou a Monalisa soltar suas pérolas.

Amor?

— Oiii, Gei!

—   Tá com a voz estranha, tá tudo bem?.... Tranquilo irmão, depois eu resolvo. — ele falou comigo e ao mesmo tempo com alguém lá perto dele.

— Tô me entupindo de sorvete pra não ter que responder as vintes perguntas que provavelmente minha mãe está segurando na ponta da língua. — eu falei rápido e baixo e ele gargalhou do outro lado da linha.

Ela tá contigo aqui no Recreio?

— Não preto, tô aqui em Mesquita. Tava devendo uma visita. — eu larguei minha tigela na mesa e minha mãe me olhava atenta.

A gravação lá foi cancelada em cima da hora... Vai vir embora agora? Vou ir aí, ver ela. — ele falava e eu fiquei quieta pensando se seria uma boa ideia.

— É.... Você vai dar essa volta toda pra vir pra cá? Não precisa, amor. Sério mesmo.

Precisa sim, eu tô em Ricardo, vim ver um bagulho aqui... e pô, vai chover e você não vai conseguir vir embora pra dormir comigo. — deu sua defesa e eu suspirei, já derretida e dada por vencida. — Vou pegar o carro aqui, Morena. Daqui a pouco tô aí.


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