18: Uma dose de sal e de mal

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— Não se preocupe, madame Elizabete, tudo está dentro dos conformes não houve reclamações da apresentação, queridíssima. Sim, até logo. — Abigail se despedia. — Porca quadrada. — ela resmungou depois de colocar o telefone no gancho.

Tinham ganhado hospedagem num bom hotel, e com o próprio dinheiro que não era pouco ela conseguia manter o dirigível em uma garagem, longe das garrinhas de um certo gato astuto.

Ela rabiscou o desenho de um gato em sua agenda, antes de marcar um xis em cima dele. Não, não podia ser um gato, gatos só se comunicam com o necessário e não dão tanto trabalho. Tinha que ser um animal traiçoeiro e com uma língua peçonhenta.

— Uma serpente, claro que é uma cobrinha. — resmungou sozinha suspirando pesadamente, torcendo os lábios, pensando. Não era como se a relação entre ela e ele já tivesse sido fácil alguma vez, mas juntos acabavam conseguindo resolver qualquer tipo de problema.

Desgraça, como foi que isso tudo tinha acabado por acontecer? Ela queria esganar sua adorada princesinha, é claro, mas uma voz imperceptível dentro dela a relembrava de suas parcelas de culpa. É claro que Abigail esmagava essa voz a olhando de cima e colocando debaixo de seu salto para não ser mais ouvida. Áster era muito temperamental.

E agora estava numa cidade ridícula, com gente ainda mais ridícula, tendo que se encontrar com a esposa de Frederico que era uma mulher patética, e Frederico... Sem comentários sobre as percepções que teve apenas botando os olhos nele. Um pobre coitado, mas não era por isso que ela sentiria pena, ele era quem não se ajudava.

Se seu pai ainda estivesse por perto, ele falaria por horas sobre incompetência, inabilidade de gerir uma empresa e apontaria para ela como culpada de tudo.

Piorava quando ele entrava em questões idiotas sobre aparência e gênero.

Muito bem feito ter deixado esse velho no raio que o parta, quando queria ficar feliz ela se lembrava desse feito.

— Patroa? — ela piscou, apagando o sorriso e encarando a porta quando Jânio entrou apressado.

— Estou ocupada, meia volta.

Ele coçou a cabeça — A senhoria me desculpa, mas tem alguém querendo te ver, patroa.

Abigail revirou os olhos por trás do monóculo que tirou, já impaciente — Eu já disse mil vezes, se for Desirée diga a ela que ainda está proibida de ver a Branca de Neve e ponto final. Se for qualquer outra pessoa entregue um santinho de Frederico e despache pro raio que o parta.

Jânio não teve saída a não ser deixar a sala, e ela bufou sozinha, recolocando a peça para ler novamente a matéria de jornal que tinha guardado, ainda da semana em que tinha chegado ali. Não era pela matéria, mas sim pela foto aonde havia os cinco integrantes da presepada que chamavam de circo, o tal Arcana.

Segurando aquela página de jornal, ela podia passar horas apenas pensando e conjecturando coisas, enquanto delegava tarefas aos seus funcionários, atendia ligações ou carimbava futuros ingressos, fumando, provavelmente.

A porta que Jânio fechou se abriu, então ela perdeu a paciência, se levantando de uma vez — Eu não disse que...!

— Não ligo pra política. No fim das contas tudo é a mesma porcaria.

As palavras de Abigail tinham morrido na garganta. Era Emília, segurando o santinho de Frederico, embolando para lançar na lixeira, acertou por pouco, a encarando do outro lado da sala. Ela vestia roupas escuras como sempre, uma camisa sem mangas e calças, ambas lisas sem estampa, e tinha o cabelo crespo preso no alto para evitar o calor.

A Queda de ÁsterOnde histórias criam vida. Descubra agora