25: Mariposa Branca

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Aquele quarto era absolutamente escuro, e era tudo que ele conseguia ver através da fresta da porta. O telefonema de Santiago aparentemente fez com que um homem viesse lhe buscar. Seus cortes estavam recuperados externamente, ainda que seu organismo e seus pensamentos estivessem numa bagunça doente. 

Não reagiu de nenhuma forma quando o homem, Salomão Jatobá, lhe ofereceu a mão para que caminhassem para fora, na direção de um carro, que levou ambos até uma casa, sobre a qual uma rápida apresentação lhe foi feita, até que estivesse sozinho, num cômodo escuro.

Os acontecimentos eram rápidos e desordenados demais para que compreendesse o que estava acontecendo, como deveria agir.

Por isso era natural que assim que foi deixado sozinho ali, começasse a chorar.

Quando parou, Michel desceu da cama, para realmente ver aonde iria dormir, apalpando o colchão alto do móvel que também era, vendo a colcha com uma estampa apagada e padronizada antes de saltar dali, para ver melhor em volta.

Tinha uma janela, e ao testar percebeu que estava destravada, o que fez seu rostinho ganhar uma expressão surpresa. Não era como na clínica, ao menos, isso era um bom sinal.

Andando devagar passou os dedinhos pelo espelho da penteadeira, evitando se encarar de novo e indo até o interruptor, para ligar a luz, que piscou um pouco antes de funcionar de vez. Não havia muito mais o que explorar ali, exceto pelo móvel de madeira fechado. Era um armário, ele já tinha tido um parecido, embora fosse menor.

Ainda que fosse menor, naquela época ele podia entrar ali, afastar os cabides e pedir para ser transportado, brincando sozinho e conversando em seu quarto, quando sua mãe tinha outras coisas para fazer, porque costumava ser muito divertido.

Quando ele abriu aquele guarda-roupas, no entanto, se colocando dentro dele depois de afastar os cabides, aquela sensação mágica e nostálgica já não existia.

Anos tinham se passado, e para uma criança como ele parecia ser ainda mais tempo.

Ele suspirou, desceu do armário e fechou, antes de ir devagar até a porta, para espiar o lado de fora.

O corredor cumprido, o outro lado da escadaria com portas fechadas, o som de uma música vinda de algum dos cômodos, mas baixa e fraca demais para que ele soubesse de que tipo era. Ele estava com fome, tinha se recusado a comer antes de vir e doutor Arabel tinha simplesmente desistido de lhe incomodar há alguns dias, então não havia realmente alguém que iria lhe obrigar a nada.

Ele espiou também para a escada, percebendo o silêncio naquele casarão, e deu apenas uma última olhada para o quarto no fim do corredor antes de descer se esgueirando. Haviam ferramentas penduradas como decoração, além de quadros religiosos com anjos e figuras supostamente divinas.

Quando chegou na sala de jantar que antecedia a cozinha, já havia uma cadeira puxada e um prato tampado.

As tias na clínica não foram vistas por ele nos últimos meses, mas há algum tempo os pratos ainda eram coloridos e tinham sabor, sem carnes. Esse era sem cor, assim como tudo naquela casa, e ainda tinha um bife grande.

Havia uma mulher que trouxe a refeição, mas logo se retirou sem olhar na direção dele, e de qualquer maneira ele acabou comendo sozinho.

Parecia bom, mas depois de comer um pouco de de carne, inevitavelmente se sentiu mal, então precisou correr para o banheiro, e a sensação de vomitar não era desconhecida para ele, mas era ainda pior sem ter ninguém que se disponibilizaria para cuidar de Michel depois disso. Nora dizia que depois de um episódio doente, era sempre bom beber um chazinho morno, e ficar debaixo das cobertas com a mamãe.

A Queda de ÁsterOnde histórias criam vida. Descubra agora