Capitulo 01

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Espero que me acompanhem nesse segunda temporada.

Coloquei os óculos escuros sobre os cabelos em coque assim que me aproximei da fachada e precisei tragar saliva quando toda a coragem que eu sentia fugiu como um rato.

Eu não a vi por dois anos e mesmo que mantivessemos contato e ela dissesse sentir saudades eu não sabia dizer se seria bem recebida.

Principalmente porque não fui em sua festa de noivado nem em seu casamento.

E aquele lugar me dava arrepios toda vez que eu entrava, era como receber uma onda de lembranças proibidas.

Respirando fundo, estiquei a mão e empurrei a porta de entrada, recebendo o cheiro doce de imediato em meus sentidos.

Suspirei. Amava aquilo.

Me aproximei do balcão, olhando em volta, e uma garota parecendo ser pouco mais nova que eu se aproximou.

-Boa tarde, em que posso ajudar?

Ela era bonita, magra, olhos castanhos e cabelos lisos presos para trás por higiene.

-Hm, sim - disse, olhando para a porta branca do lado direito - Andy Herrera trabalha aqui, certo?

-Sim, senhora, mas ela não está hoje.

Ah, ótimo, acabou com minha surpresa.

-Ah, certo... - Olhei para as imagens de doces na parede e apontei - então me traga uma dessas florzinhas sortidas e um chocolate quente cremoso.

Ela anotou e se voltou para a cozinha.

Eu estava completamente viciada naquela florzinha desde que a Cookies a colocou no cardápio há pouco tempo.

Era um bolinho de nozes coberto de chocolate com várias pétalas recheadas com algum creme surpresa. Nunca se sabia qual recheio receberia e era tão viciante.

Me virei para olhar o ambiente.

Alguns adolescentes riam esgueirando-se nas cadeiras nos cantos. Um casal dividia algo em um copo que eu não sabia que eles faziam - talvez por nunca ter ido com alguém romanticamente - uma mãe e sua filha riam em uma conversa animada enquanto comiam docinhos, uma família se divertia com os filhos - um garoto e uma garota - um homem ouvia a filhinha tagarelar tentando evitar que se sujasse de chocolate...

Era um lugar bem familiar aquele dia.

Suspirei.

Sempre acabava me flagrando procurando por ela. Não importa por quanto tempo esquecesse, sempre que estava passando por um parque ou ia a Cookies, procurava.

Me perguntava por onde estaria. Havia uma coisa em tentar imagina-la em todos os lugares... como estariam seus cabelos, a cor de seus olhos, que palavras sairiam de sua boca...

-Titia Lu! Titia Lu! - uma garotinha se aproximou do balcão ao meu lado, se pendurando com esforço no banco e por pouco evitei que caísse quando a cadeira ameaçou virar e a segurei.

-Ei, meu benzinho! - a atendente a cumprimentou, colocando meu pedido a minha frente - onde está a mamãe?

A criaturinha ergueu as mãos em palma no ar e fez uma careta engraçada.

-Eu não sei! - sua vozinha exclamou em um agudo incrível.

A atendente-titia Lu riu, se inclinando no balcão enquanto eu ainda segurava a parte de trás do encosto do banco temendo que a menina caísse.

-E ela deixou você ficar aqui sozinha? - perguntou e a menina assentiu com veemência, seus cabelos escuros balançando pesadamente ao lado de seu rosto redondo e cor de creme, os olhos azuis  esbugalhados - deixe-me adivinhar: você quer seus cookies?

A garota assentiu novamente com um sorriso enigmático deixando a mostra duas fileiras de dentes miudinhos.

A atendente me lançou um olhar cauteloso em meio a seu sorriso e voltou a cozinha para pegar o pedido da menina.

Qual foi? Eu não ia sequestrar a criança!

-Qual é o seu nome? - perguntou a garota, me encarando com seus grandes olhos redondos.

-Maya e o seu?

-Angelica.

-Como um anjo - balbuciei em espanhol e para a minha surpresa a menina assentiu.

-É! É o que a mamãe diz - Angelica falou, empolgada - conhece minha mamãe?

Oh, Deus...

Eu conhecia?

Não era possível que estivessem justamente ali, era?

Senti meu estômago dar duas voltas olímpicas e o sangue correr de meu rosto.

-Eu não sei, qual é o nome de sua mamãe? - perguntei, engolindo em seco.

Angelica fez uma careta fofa e engraçadinha ao franzir o nariz e prender a língua entre os dentinhos minúsculos por um segundo ou dois.

-Mamãe - disse e me senti patética.

Qual era a idade em que os filhos aprendiam que os pais não se chamavam "papai" e "mamãe"?

-Ah... hm... e qual é a melhor coisa que a mamãe sabe fazer?

Isso sim era uma pergunta decisiva. Se ela dissesse algum doce...

A garota fez uma expressão pensativa.

-Hm... bolo de chocolate - disse por fim, quase me derrubando da cadeira.

Oh, Deus... será...? Será que...?

Engoli em seco.

Isso não podia estar acontecendo.

Não rodei meio mundo para acabar justamente onde elas estivessem.

Não, muitas pessoas fazem bolo de chocolate e crianças amam bolo de chocolate. Era isso certo?

-Ela é bonita como você? - perguntei e Angelica negou.

-Mamãe é muito bonita - disse, esticando o "u" em "muito" - o cabelo dela é grandão assim - gesticulou com o braço de cima a baixo, se inclinando de modo que me fez segura-la automaticamente para que não caísse - é grandona, desse tamanhão - se esticou para cima - e tem o olhinho bem marronzinho - esticando as vogais, Angelica pressionou as pontas do polegar e indicador e os levou ao olho direito.

Não consegui respirar.

Era ela, não era?

-Aqui. Vamos, mocinha, sua mãe deve estar esperando - a atendente falou, segurando uma sacolinha de papel pardo com logo da Cookies n Coffee, descendo a pirralhinha que possivelmente era a coisinha que coloquei no mundo anos atrás e se afastando para a saída - Luís, fique de olho por uns minutinhos.

Angelica a seguia segurando a ponta de seus dedos com a mão gordinha e tagarelando tanto que não soube entender como uma coisinha tão pequenininha, que mal chegava a altura de seus quadris, conseguia conter tanto vocabulário.

-Oh, meu Deus, Maya ... - sussurrei para meu prato de doce enquanto uma corrente de pensamentos me atingia como um tapa.

Quais eram as chances de encontrar com Carina e sua filha em sua própria cafeteria? Ou melhor, em uma das franquias em um lugar qualquer do país?

Qual era a chance de eu ter acabado de passar por uma situação de afloramento forçado de instintos maternais?

Permaneci por uma boa hora encarando o doce em meu prato. Em algum momento a atendente voltou e mais clientes entraram e saíram com seus pedidos enquanto eu ainda estava perdida na confusão que eu mesma havia me prendido.

O que seria de mim afinal? O momento que Carina disse que eu a encontraria finalmente estaria acontecendo?

With All My HeartOnde histórias criam vida. Descubra agora