Regra Número 8:

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🟦 ̶N̶ã̶o̶ Mexa Nas Coisas Dele

- Seu amor, me pegou, cê bateu tão forte com o teu amor, nocauteou, me tonteou... - Cantarolava Mateus sem parar.
- Tá viciado nessa música, né? - Perguntei rindo, para ver se ele parava com o mantra.
- Você não? Boa demais. - E continuou sua cantoria sentado no banco de pedra e balançando a perna cruzada por cima da outra.
Estávamos no intervalo daquela manhã, já tínhamos lanchado e matavamos os últimos minutos juntos sob uma árvore gigantesca que havia no pátio.
- E aí? - Cumprimentou David Augusto ao se aproximar. - vão para a viagem?
- Eu quero ir. - Respondeu Mateus. - O lugar não é dos melhores, mas não vou perder a zoeira.
- Lava sua boca com sabão antes de falar do parque da capivara, viu?! - Indignou-se Rafaela. - Um lugar com tanta história.
- Pior que é verdade, lá é massa, cara, eu fui ano passado, tem umas pinturas antigas, uns fósseis. Fora a resenha no hotel, né... - Disse e gargalhou. - E vocês, garotas, vão?
- Não perco por nada! - Respondi. - aliás, não quer comprar uma rifa?
Rafaela me empurrou. - Não compra dela, não. Compra uma minha!
Matheus nos encarou com desdém, virou o rosto rindo e, em seguida, voltou a cantarolar.
- Calma, calma... - Pediu David - Ainda é R$2,00? Se for, compro das duas.
Naquele momento consegui fazer minha sétima venda do talão de rifas, estava quase concluindo o meu primeiro e não demoraria a pegar um segundo. Quanto mais rifas vendidas, menos dinheiro meus pais teriam que embolsar. Rafa ainda estava no seu segundo bilhete, mas me disse que no final de semana iria para a casa de sua avó e venderia todos para os tios. Embora eu não tivesse a mesma sorte de minha colega para o fim de semana, era audaciosa o suficiente para abordar quem topasse comigo pela rua.
- Tô ligado na desse emo. - Disse Mateus estreitando os olhos depois que David se afastou. - Acho que está afim de uma das duas!
- Quê? Não, de mim não pode ser, e ele também não faz meu tipo. - Rafa adiantou-se a dizer com seus olhos maiores do que de costume.
Eu me limitei a discordar com a cabeça. Sabia muito bem em quem David Augusto estava interessado e não era ninguém daquela escola.
- Então qual é o seu tipo, dona Rafaela? - Questionou Matheus.
- Caras com características de indiano.
Eu e Matheus nos olhamos e caímos no riso, Rafa tinha sido tão específica que nos pegou de surpresa.
- E o seu, Mateus?
- Altos, fortes... Na verdade, não sou tão específico quanto você, porém, inteligência me atrai e respeito também. Alice?
Chutei umas pedrinhas pensando, me lembrei dos personagens de algumas séries que tinha visto e nunca terminado para montar o meu tipo ideal. - Alto, nem gordo, nem magro, cabelo cheio, longo, barba, é... Cabelos pretos, olhos escuros, inteligente, meio nerd. - Conclui.
- Aqui na escola tem um assim. - Anunciou Rafaela, despreocupadamente. - O professor de história.
Mateus bateu umas palminhas concordando. - Seu tipo é o professor Benjamin!
Revirei os olhos, um tanto nervosa, mas tentando disfarçar. Não era mentira que o professor se encaixava, mas não poderia esquecer quem ele era: O Professor e, ainda por cima, irresponsável que falta aula. Para minha salvação o sinal tocou e tivemos que voltar para a sala, no percurso, já estávamos em outro assunto totalmente diferente: a viagem.
Colegas interessados em prestar conta das rifas foram ao meu encontro e me separei de Rafa e Mateus para poder cumprir com minha função. Abri o caderno de pauta tão clara que parecia quase igualar-se ao branco da folha e anotei os nomes, quantidade de rifa e valores. Elogiei o pessoal pelo empenho, tinham vendido bem rápido e dei mais talões para eles.
Naquela manhã de quarta-feira pós intervalo, o professor Fernando, de inglês, se atrasou quase que vinte minutos e só tivemos uma breve correção da atividade que ele tinha passado para casa. Ele era um bom professor, até, só meio desligado.
A tarde, por outro lado, Helga chegou pontualmente para sua oficina de redação. Ajudei na organização da sala e, enquanto os outros não chegavam, aproveitei a professora para corrigir uma redação que tinha feito sobre algum tema relacionado ao meio ambiente, já não me lembro exatamente qual era, mas muitos apostavam nessa perspectiva, então eu vivia dissertando sobre, para treinar. Aquela foi uma tarde para correção das redações de todos os oito alunos presentes, Helga corrigiu e deu parecer a cada um, de maneira calma e gentil, ela era detentora de paciência admirável.
Quando estava prestes a terminar os retornos, Helga me pediu para ir até a sala dos professores tirar algumas cópias da folha de redação, pois ela havia esquecido de pedir isso mais cedo para mim. Não poderia ter me atribuído tarefa melhor! Os alunos da tarde deveriam estar na segunda aula depois do intervalo e a maioria dos professores estavam com eles, portanto, a sala dos professores, se não estivesse vazia, estaria quase. Quando girei a maçaneta após bater na porta e não obter retorno, encontrei o ambiente silencioso e solitário, a grande mesa no centro estava vazia, as cadeiras fora de seus lugares e pairava o cheiro de café. Ah, o cheiro de café daquela sala é inesquecível, parecia que havia derramado a bebida por toda parte e tinha impregnado ali.
Como fui para tirar cópias, parei de investigar o covil dos professores e liguei a máquina que ficava em um canto da sala, sob a janela que dava para o pátio. Coloquei a folha original dentro, configurei e fiquei aguardando ao som daquele barulho de máquina, no entanto, algo a minha frente acabou me chamando atenção. Na parede, tinha uma prateleira e cada espaço dela tinha um nome para identificar a quem pertencia cada um dos espaços. Meus olhos encontraram rapidamente o nome de Benjamin e uma curiosidade tão intensa tomou conta de mim que esqueci das folhas sendo cuspidas pela copiadora para poder ver o que tinha na parte do professor de história.
Encontrei alguns cadernos de frequência, outro caderno com anotações soltas e dois livros finos sobre mitologia grega. Com espírito de mexeriqueira e sem senso de privacidade algum, folheei aqueles livros que estavam marcados como "pertece a Pluto", havia algumas ilustrações dos deuses e semideuses, e vários textos, mas não li nada, precisava voltar para entregar as folhas a Helga, no entanto, quando devolvi o segundo livro a prateleira, uma corrente escorregou de dentro dele e caiu no chão, seu pingente acabou fazendo um barulho considerável que me deixou com medo de algum professor entrar e me pegar remexendo nas coisas deles. Rapidamente, com o coração aos pulos, recuperei o objeto do chão, mas me detive por segundos apreciando o pingente em formato de âncora, era prateado e pesava na minha palma. Abri o livro e o coloquei dentro. " Quem que guarda corrente dentro de um livro? Só podia ser coisa desse professor, mesmo!" - Pensei e agarrei as folhas na bandeja da copiadora. Helga já estava me esperando, questionou porque havia demorado tanto, eu coloquei a culpa na copiadora, aleguei que ela estava lenta e a gentil professora concordou. Após entregar as folhas, todos foram embora, mas eu fiquei, Helga disse que gostaria de conversar comigo.
Sentamos uma de frente para outra, ela pegou minha redação de mais cedo, deu outra olhada e questionou qual curso eu tinha em mente.
- Penso em biomedicina, professora, embora meus pais torçam para mudar para medicina.
- É o mal dos pais?! - Brincou ela com seus olhinhos brilhosos que transpareciam alegria, amor - Minha querida, faça o que gosta, embora eles invistam em você, quem vai exercer a profissão é a senhorita e é tão bom quando nos encontramos. Eu mesma, me sinto realizada como professora de português! Mas vamos voltar para sua redação, tá bem? Alice, você escreve muito bem, está beirando os 900, mas precisa melhorar a conclusão. Parece que quando você chega nela, já está sem paciência e só empurra as as coisas, estou certa?
Eu assenti.
- Pois é, você já é boa, mas pode ficar melhor. Tenha paciência ao construir cada etapa do texto, Alice, todas são importantes. O fim tem que se encaixar de alguma forma com o início, fechando um ciclo. Você pode trazer novamente a citação que usou no início, por exemplo. Para construir a proposta, se pergunte quem vai fazer, o que vai ser feito, como e por quê. Lmbre-se sempre de responder a estas perguntas, nada de só jogar qualquer coisa, entendeu?
- Vou me esforçar na próxima. - Prometi.
- Espero por isso e não esqueça de anotar o tema da próxima, agora a cada semana vou definir um. - Levantou com dificuldade, pegou sua bolsa pesada e saiu se despedindo.
Fiquei na sala por mais algum tempo, anotei o tema, coloquei Pitty para tocar nos fones e comecei a organizar o espaço, deixando as cadeiras como havia encontrado: enfileiradas. Confesso que procrastinei o máximo, estava sem vontade de voltar para casa e ver minha mãe com um sorriso nos lábios, mas o olhar triste.

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Como  ̶N̶ã̶o̶  Se Apaixonar Pelo ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora