Regra Número 11:

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🟦 ̶N̶ã̶o̶ Troque Olhares com Ele

Destacava os bilhetes das rifas e jogava em uma caixa de papelão enfeitada com papel decorativo, já tinha furado de leve por duas vezes meus dedos nos grampos que compunham os talões.

A coordenadora estava sentada do outro lado da mesa, o caderno aberto diante de si para conferir os valores. Era um ritual breve: ela contava quantos papéis vendidos tinha em um talão, conferia o valor e assegurava se batia com o do caderno em que eu vinha controlando tudo com muito cuidado. Depois da verificação, passava o talão para mim que retirava os grampos e jogava as folhinhas soltas dentro da caixa.

Já estávamos nesse trabalho há quinze minutos quando o professor Benjamin adentrou a sala e se sentou na cadeira ao meu lado, perguntou se precisávamos de ajuda e Groselha, a coordenadora, pediu que ele fosse destacando os talões junto comigo.

- A turma se empenhou muito, em?! Tô feliz com o resultado. - Disse Benjamin quebrando o silêncio.

- Quando se trata desse tipo de coisa, eles correm atrás... Agora, vai ver se estudam os conteúdos como deveriam... - Ironizou.

Estreitei meus olhos para a coordenadora, não gostei de como ela havia tratado minha classe, não era bem assim que funcionava ali, além do mais, a viagem envolvia aprendizado. E como se pudesse ler meus pensamentos, Benjamin retrucou:

- É porque é uma forma de aprendizado diferente, acaba atraindo mais do que um livro.

A coordenadora deu de ombros, mas sua expressão evidênciava certo ar de superioridade, a sobrancelha esquerda erguida, os lábios em um sorriso desdenhoso.

- Alice, aqui no caderno consta um valor, mas não tem rifas suficientes para tal... Acho que você se passou, não? - Inquiriu autoritária.

- Tenho quase certeza que não, anotei tudo de acordo com o que eles me entregaram. - Me defendi, crente de que estava certa.

- Mas está faltando, algo aconteceu aqui. Veja, no caderno diz que você recebeu R$30,00 reais, mas as rifas só dão R$14,00. - Explicou apontando para a página - Você deu fim nas outras rifas por acaso? - Insinuou erguendo o queixo e me fitando com olhos maliciosos. Parecia que ela gostaria que eu estivesse fazendo algo de errado, talvez, só para ter o gosto de me punir.

- Não... - Comecei.

- Talvez você não tenha olhado com atenção, Gro. Verifique novamente. - Benjamin sugeriu calmamente.

- É claro que eu olhei, Benjamin, conte as rifas você mesmo, se dúvida. - E entregou o talão para ele que me olhou rapidamente e começou a contar. - Viu? Não dá nem a metade do valor que ela anotou aqui. Ou perdeu as rifas restantes, ou pegou para si e ficou com o dinheiro...

- Calma, Groselha, também não é assim que se resolvem as coisas. - Interviu Benjamin em minha defesa. - Alice, você se lembra de quantas rifas esse aluno te entregou? Só foram as duas mesmo?

Eu assenti. Tinha consciência de que não havia perdido nada, mas a ideia me dava medo.

- Tá bom, você pode ter se confundido ao anotar no caderno o valor... - Continuou o professor e eu olhei para ele de maneira brusca, eu não tinha errado, me dediquei tanto aquilo que não poderia. - mas não fique preocupada, tá bem? Essas coisas acontecem. - Se apressou a dizer de maneira amável para me acalmar. - o que importa é o valor final bater e eu tenho certeza de que vai. - Concluiu olhando para mim, seus olhos estavam presos nos meus me passando uma cumplicidade que desconhecia.

Groselha foi convencida pelo discurso do professor e continuou verificando as anotações e as rifas, porém, passou seu marcador neon sobre o valor intrigante. Ao fim, iniciou-se a segunda etapa daquele processo entediante que era contar o dinheiro e ir verificando com o que tinha no caderno. As rifas tinham tido uma alteração e eu sabia que não teria isso no dinheiro, provavelmente eu tinha me passado mesmo ao anotar, porém, com um estalo me lembrei de que aqueles R$16,00 reais extra sem bilhete de rifa era, na verdade, doação que um dos alunos tinha recebido, pois já havia vendido todas as suas rifas, mas uma tia, acho, queria ajudar de qualquer forma e deu o dinheiro mesmo sem estar participando do sorteio. Com certeza meus olhos brilharam naquele momento, endireitei minha postura na cadeira ficando com os ombros erguidos e expliquei a situação para os dois, disse até que poderia confirmar isso se chamasse o meu colega ali, mas não era necessário, pois quando contou o dinheiro, batia, os R$16,00 reais extra estavam ali. Eu não tinha errado, só tinha esquecido e aquilo fez com que meu coração se enchesse de orgulho e, ao mesmo tempo, raiva por ela ter insinuado que talvez eu tivesse ficado com a quantia.

- Valores fechados, preciso apenas ver qual ficará o valor individual de cada um... - Disse Groselha mais para si mesma. - Vai ser pouco, venderam bem. - Completou olhando para nós e mordendo o bocal da sua caneta azul.

- Viajamos na próxima sexta, então? - Perguntei animada.

- Isso, depois passo na sala para dá os detalhes, mas algo bem tranquilo, vamos sair daqui mais ou menos as 1h da manhã e chegaremos lá bem cedo para poder aproveitar o primeiro dia... Mas ainda preciso sentar com você, Benjamin, só para verificar o cronograma da viagem.

Benjamin assentiu, parecia animado em levar minha turma para conhecer a Serra da Capivara. Me retirei da sala da coordenação assim que fui dispensada, mas o professor permaneceu lá com Groselha.

Começava a ficar de fato ansiosa pela viagem, queria chegar em casa e começar a fazer minha mala, seria incrível, sentia isso. Tanto por se tratar de um lugar arqueológico como também pela compainha dos meus colegas, em especial Rafa e Mateus que se tornavam cada vez mais próximos e queridos por mim.

A escola antiga começava a tomar um lugar distante em minha mente, o Otacílio, meu colégio atual, começava a se sobressair em alguns aspectos, especialmente no fator acolhimento, pois ali poderia ter o melhor ensino, se eu não me sentisse bem e confortável de nada adiantaria. Continuava revendo bastante conteúdo do ano anterior, isso era inegável, mas não houve mais faltas de professores e minha turma cooperava muito bem para as aulas, o que deixava a dinâmica maravilhosa. Acho que, aos poucos, começava a encontrar um lugar para mim naquele caos que se tornara minha vida.

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Como  ̶N̶ã̶o̶  Se Apaixonar Pelo ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora